4) (FGV – Exame da Ordem – 2010.2)
Sabe-se a polêmica ainda existente na doutrina constitucionalista pátria no que se refere à eventual hierarquia da Lei Complementar sobre a Lei Ordinária. Todavia, há diferenças entre essas duas espécies normativas que podem até gerar vícios de inconstitucionalidade caso não respeitadas durante o processo legislativo.
A partir do fragmento acima, assinale a afirmativa incorreta.
(A) A Lei Complementar exige aprovação por maioria absoluta, enquanto a lei ordinária é aprovada por maioria simples dos membros presentes à sessão, desde que presente a maioria absoluta dos membros de cada Casa ou de suas Comissões.
(B) As matérias que devem ser regradas por Lei Complementar encontram-se taxativamente indicadas no texto constitucional e, desde que não seja assunto específico de normatização por decreto legislativo ou resolução, o regramento de todo o resíduo competirá à lei ordinária.
(C) As matérias reservadas à Lei Complementar não serão objeto de delegação do Congresso ao Presidente da República.
(D) A discussão e votação dos projetos de lei ordinária devem, obrigatoriamente, ter início na Câmara dos Deputados.
Gabarito: D
Comentários (Daniel Mesquita)
O tema da existência de hierarquia entre a lei complementar e a lei ordinária já foi objeto de intenso debate entre os doutrinadores e os tribunais brasileiros. Apesar de ainda não ser possível afirmar que o tema está pacificado, eis que existem divergências, podemos apontar com tranquilidade a resposta correta para que você concursando marque em sua prova: não existe hierarquia entre essas duas espécies legislativas. Este é o posicionamento do Supremo Tribunal Federal e o indicado para você levar para a prova.
Entretanto, para que estejamos preparados para detalhar o tema em uma eventual prova discursiva, e para uma melhor compreensão do debate, é mister adentrar nos argumentos utilizados por quem defende a existência e por quem defende a inexistência de hierarquia.
A doutrina mais clássica defende que a lei complementar está em uma posição hierárquica superior em relação às leis ordinárias e baseiam-se em três argumentos para chegar a esta conclusão:
A lei complementar exige um quórum mais rígido para sua aprovação (maioria absoluta);
A lei ordinária jamais poderá alterar algo disposto em lei complementar, mas a recíproca não é verdadeira;
No art. 59 da CF, em que são elencadas as espécies legislativas, o legislador dispôs a lei complementar em posição superior em relação a lei ordinária e não lado a lado.
Por outro lado, a doutrina mais moderna tem defendido que as espécies legislativas em apreço possuem a mesma hierarquia. Esta é a tese adotada pelo STF com fundamento nos seguintes argumentos:
Estaríamos diante apenas de temas diferenciados, mas as leis estariam na mesma posição hierárquica. Nesse sentido, algumas matérias estariam reservadas para a lei ordinária e outras para a lei complementar, notadamente aqueles assuntos nos quais o legislador exigiu um maior consentimento legislativo (maioria absoluta);
Só existe hierarquia quando uma norma jurídica tira seu fundamento de validade da norma que está acima dela. É cediço que a lei ordinária não se apoia na lei complementar para ser considerada válida; na verdade, tanto a ordinária quanto a complementar retiram sem fundamento de validade diretamente da Constituição Federal.
Nesse sentido, cabe fazer uma breve observação sobre o segundo fundamento apontado pela doutrina que defende a hierarquia e elencado acima, que nos remete ao conflito entre uma lei complementar e uma lei ordinária.
Inicialmente, temos que a lei complementar exige maioria absoluta para ser aprovada (primeiro número inteiro acima da metade dos membros da casa), enquanto a lei ordinária exige apenas maioria simples (primeiro número inteiro acima da metade dos presentes à sessão).
Em segundo lugar, é fundamental partir do posicionamento do STF segundo o qual a diferença entre a lei complementar e a lei ordinária não tem cunho hierárquico, mas apenas são diferenciadas em razão das matérias reservadas para cada espécie legislativa.
Assim sendo, é nítido que a maioria absoluta será um número maior ou pelo menos igual ao que represente a maioria relativa. Assim, se o legislador aprovar lei complementar tratando de tema reservado a lei ordinária, necessariamente a lei terá sido aprovada por uma quantidade de votos que represente quantidade maior ou igual à maioria relativa. Por outro lado, se a matéria reservada para lei complementar for tratada por lei ordinária ela será aprovada por maioria relativa, um quantitativo de votos menor que o exigido para a aprovação da lei complementar.
A partir desse raciocínio, chegamos as seguintes conclusões:
Lei complementar utilizada para tratar de assunto que poderia ser tratado por lei ordinária é válida (terá atingido necessariamente a aprovação por maioria simples).
Lei ordinária que tratar de assunto reservado para lei complementar será inconstitucional, eis que a Constituição exige maioria absoluta para aprovação daquele tema e a lei ordinária é aprovada por maioria simples (quantitativo menor de votos).
Nesse contexto, a LC que invadir tema de LO será válida com status de lei ordinária, de modo que lei ordinária posterior poderá revogá-la.
Após a análise do relevante tema proposto, passamos a análise pontual das assertivas. Lembre-se que a questão pede a alternativa incorreta.
Alternativa A – Correta. Como já vimos, a aprovação da lei ordinária exige a aprovação da maioria simples ou relativa (primeiro número inteiro acima da metade) – quórum de votação/aprovação.
Entretanto, para que seja iniciada a votação temos que verificar ainda a existência do quórum de presença, entendido como o número mínimo de parlamentares presentes para que se inicie a sessão, que é, como afirma a questão, a maioria absoluta. Sobre o tema, vale a pena verificar o artigo 47 da CF:
Art. 47. Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros.
Esta é a regra geral. Contudo, a CF trouxe previsão específica para a lei complementar, exigindo o quórum de maioria absoluta para sua aprovação, conforme art. 69:
Art. 69. As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta.
Alternativa B – Correta. A lei ordinária é assim denominada justamente por sua caracterização como uma norma “comum”. Ou seja, quando a Constituição exige que algum tema seja tratado por alguma espécie normativa especial deverá fazê-lo expressamente, como acontece com as leis complementares, os decretos legislativos e resoluções. Caso não haja nenhuma previsão específica o assunto poderá ser tratado por lei ordinária, de onde podemos inferir o caráter residual apontado na alternativa.
Alternativa C – Correta. Conforme explicado em simulados anteriores, temos que, a grosso modo, a lei delegada consiste em espécie legislativa na qual o Presidente da República solicita ao Congresso Nacional uma delegação para que ele elabore uma lei sobre determinado assunto. Entretanto, tendo em vista que tal situação pode ser caracterizada como uma exceção ao princípio da separação de poderes, essa possibilidade não é irrestrita e a própria Constituição federal traz algumas vedações, entre elas a impossibilidade de delegar matéria reservada à lei complementar (art. 68, §1º):
§ 1º - Não serão objeto de delegação os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar, nem a legislação sobre:
I - organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros;
II - nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais;
III - planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.
Alternativa D – Incorreta. Normalmente, os projetos de lei terão início na Câmara dos Deputados. Esta é a regra. Entretanto, a casa iniciadora será o Senado Federal quando se tratar de projeto de lei de iniciativa de um Senador ou de uma comissão do Senado.
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