Seguem os gabaritos e comentários às questões do 1º
Simulado do ciclo 1 de Constitucional. Como se saíram? Deixem as
suas impressões nos comentários.
Arthur
Tavares
Questão
1
(Instituto
Cidades/DPE-AM/Defensor Público/2011) A respeito do conceito e da
classifcação da Constituição, é correto afirmar que:
a)
A Constituição, na clássica definição de Lassalle, é a decisão
polítca fundamental de um povo, insculpida em um texto normativo que
goza de superioridade jurídica frente às demais normas
constitucionais.
b)
Para Carl Schimit, a Constituição é a norma jurídica fundamental
do ordenamento jurídico, servindo de fundamento de validade para as
demais normas jurídicas.
c)
No entendimento de Hans Kelsen, a Constituição é resultado das
forças reais de poder, buscando o seu fundamento de validade em uma
norma jurídica epistemológica.
d)
Para Carl Schmit, não há razão para se fazer distinção entre
normas constitucionais em sentido formal e em sentido material, pois
tudo o que está na Constituição tem o mesmo status constitucional.
e)
No sentido ontológico (karl Loewenstein), a Constituição pode ser
classificada em semântica, nominal e normativa. A Constituição
Federal de 1988 é um exemplo de Constituição normativa.
Gabarito:
LETRA E
A alternativa A
está incorreta. Ferdinand Lassale, em sua obra O que é uma
Constituição, foi o expoente do chamado conceito sociológico de
Constituição. Para ele, a Constituição somente seria legítima se
representasse as forças sociais que constituem o poder. O autor
celebrizou a expressão segundo a qual a Constituição é uma mera
folha de papel, que deve ser ignorada caso não reflita a soma dos
fatores reais de poder. Nessa linha, o texto normativo é que deveria
se adaptar à realidade fática.
As palavras de Dirley da Cunha Júnior bem sintetizam
essas noções:
Se, por uma concepção jurídica, é a Constituição
que determina e constrói a sociedade, conformando-a, constituindo-a,
transformando-a e estabelecendo seus fins, por uma uma concepção
sociológica é a sociedade que determina e constrói a
Constituição, não passando esta de puro reflexo ou projeto da
realidade viva da sociedade e das formas sociais nela operantes.
Para o pensamento sociológico, é necessário
reconhecer que a sociedade tem normatividade própria, ou seja, que
as forças sociais têm suas próprias leis, e que estas muitas vezes
se mostram rebeldes à atuação das normas jurídicas (Curso, 2011,
pp. 76/77).
Já a noção de “decisão política fundamental”
faz-se presente no conceito político de Constituição, defendido
por Carl Schmitt.
Também está incorreta a alternativa
B. Como mencionado na assertiva anterior,
Schmitt defendeu o conceito político de Constituição, segundo o
qual esta espelharia as decisões políticas fundamentais do titular
do poder constituinte – o povo.
O referido autor faz a distinção entre normas
materialmente constitucionais e leis constitucionais (ou Constituição
e lei constitucional). Normas formalmente inseridas no texto
constitucional, mas que não refletissem uma decisão política
fundamental – direitos fundamentais, organização do Estado e
distribuição dos poderes são exemplos de temas que veiculam
decisões políticas fundamentais – seriam meras leis
constitucionais, não podendo ser consideradas Constituição.
Revela-se, assim, a erronia também da alternativa
D.
Importante que se tenha atenção para não fazer uma
indevida importação de conceitos. O que aqui se expõe é
entendimento de Schmitt. Quanto ao ordenamento brasileiro, observe
que, apesar de nossa Constituição Federal conter uma grande
diversidade de normas que são apenas formalmente - mas mão
materialmente - constitucionais, o princípio hermenêutico da
unidade impõe que não há diversidade hierárquica no texto, de
modo que todas as normas da CF88 têm, sim, o mesmo status.
A percepção de que a Constituição é a norma
jurídica fundamental e apresenta superioridade normativa decorre da
construção teórica de Hans Kelsen, com sua acepção jurídica de
Constituição. Para ele, a norma deve ser entendida como puro
dever-ser, afastadas quaisquer concepções políticas, filosóficas,
sociológicas. Daí porque falava em uma Teoria Pura do Direito. É
na teoria do austríaco que surge a necessidade da chamada da
compatibilidade vertical (ou verticalidade hierárquica), modelo no
qual normas de menor hierarquia devem respeito a normas superiores,
nas quais buscam fundamento de validade. Essas noções inspiram o
nosso ordenamento atual e são fundamentais para a compreensão do
controle de constitucionalidade.
A alternativa C
também está Incorreta. É possível afirmar que, na teoria
Kelseniana, a Constituição busca seu fundamento de validade em uma
norma epistemológica. Como se sabe, o conceito jurídico é
bipartido: o jurídico-positivo e o lógico-jurídico.
No primeiro, toma-se a Constituição como a norma de
mais alta hierarquia de um ordenamento, que serve de fundamento de
validade para todas as outras.
No segundo, busca-se uma forma de explicar o que,
afinal, confere validade à referida norma de maior hierarquia.
Admite-se, então, a existência de uma norma hipotética
fundamental, cuja aceitação é pressuposto lógico para que se
aceite a superioridade conferida à Constituição.
Assim, a erronia da assertiva reside em afirmar que para
Kelsen, a Constituição é resultado das forças de poder. Como
vimos, esse é o entendimento de Ferdinand Lassale, em seu conceito
sociológico.
Correta, portanto, a alternativa
E. Para muitos autores, esse (sentido
ontológico) não seria um dos sentidos de Constituição, mas uma
das classificações possíveis. De qualquer forma, é, sem dúvida,
a mais adequada das assertivas.
Na classificação ontológica de karl Lowenstein (que
adota um critério referente à correspondência com a realidade,
quanto à essência ou, ainda, quanto à efetividade da
Constituição), ter-se-iam constituições normativas, nominalistas
e semânticas.
A constituição normativa é aquela cujos preceitos são
respeitados pelas pessoas e poderes que estão sujeitas à
normatividade constitucional. Nela, o processo político submete-se e
respeita a previsão do texto.
A constituição semântica é uma espécie de máscara
do poder. Apresenta apenas uma aparência de legalidade, mas com a
finalidade de legitimar a utilização corrompida dos poderes
atribuídos. É, em verdade, feita com a finalidade de ser manipulada
e descumprida, sendo comum em regimes ditatoriais. Há pouca ou
nenhuma correspondência entre as previsões constitucionais e
realidade, de modo que a Constituição somente se aplica conforme a
conveniência daquele que exerce o poder.
A constituição nominalista representaria meio termo
entre as duas anteriores. Chama-se nominalista, porque ela atribui
direitos e pretende, de fato, regular a sociedade (dá muitos nomes),
mas não é efetivamente ou inteiramente respeitada, carecendo, em
grande parte, de efetiva aplicabilidade.
Há boa doutrina a sustentar que nossa Constituição é
nominalista. É o caso do professor Uadi Lammêgo Bulos (Curso, 2010,
p. 114), mas, para a maioria dos doutrinadores temos, no Brasil, uma
constituição normativa. Para fins de provas objetivas, recomendável
seguir esse entendimento, que, a propósito, responde à presente
questão.