Prezados amigos,
seguem os comentários das 9 questões de nosso 4º Simulado de Processo Civil. Estamos devendo o 2º e 3º Simulados. Pretendemos publicá-los nas próximas semanas.
Bons Estudos !!!
Questão 1
(MPE/GO - Promotor de
Justiça – 2009)
Das teorias sobre a natureza jurídica
da ação é correto afirmar:
A) A teoria civilista de Savigny
considera que o direito de ação tem autonomia em relação ao direito material.
B) A teoria do direito concreto
(Bullow e Wach) não reconhece a autonomia do direito processual em relação ao
direito material, de maneira que para a mesma tais direitos se identificam no
exercitamento da pretensão.
C) Para Enrico Tulio Liebman ( teoria
eclética), o direito de ação tem dois aspectos, o direito de demanda ou de
acesso ou petição (incondicionado) e o direito de ação propriamente dito, que
exige o preenchimento de condições a viabilizar o julgamento efetivo da
pretensão deduzida.
D) A teoria do direito abstrato
(Degenkolb e Plósz) preconiza que somente terá havido o exercício da ação se a
tutela jurisdicional invocada for concedida.
Gabarito:
LETRA C
Comentários (Rafael Câmara)
Existem várias teorias a
respeito da natureza jurídica da ação. Algumas delas estão superadas, havendo
apenas interesse histórico. Outras, todavia, têm valor atual, porquanto há,
ainda, viva polêmica a respeito da melhor teoria sobre o direito de ação.
Passemos a descrever sucintamente as principias teorias sobre o tema.
TEORIA
IMANENTISTA ou CIVILISTA
A ação seria o próprio
direito material em movimento, reagindo a uma agressão ou a uma ameaça de
agressão (Daniel Amorim Assumpção Neves, Manual de Direito Processual Civil,
Ed. Método, 1ª edição, pág. 71). Para a teoria imanentista, não havia autonomia
entre o direito material e o direito processual, ou seja, a ação não era
colocada em um plano distinto do plano de direito material. A ação nada mais
era do que uma face do direito material. Para essa teoria, não existiria ação sem
existir direito material. A ação seria um poder que o indivíduo possui contra o
seu adversário e não contra o Estado.
É essa a teoria defendida
por Savigny e que teve entre seus adeptos, no Brasil, Clóvis Beviláqua.
A partir da polêmica
travada entre Windscheid e Muther, a teoria imanentista (ou civilista) restou
superada. O direito de ação passou a ser visto como um direito autônomo em
relação ao direito material.
TEORIA
CONCRETA DA AÇÃO
Criada pelo jurista alemão
Adoph Wach, foi a primeira teoria a fazer a distinção entre o direito material
e o direito de ação. A teoria concreta da ação defende a ação como um direito
autônomo, distinto da relação de direito material. Embora Wach defendesse a
autonomia do direito de ação, negava a sua completa independência, pois
entendia que o direito de ação só existiria se o autor fosse titular do direito
material.
Já Bullow descreveu uma
concepção da natureza da ação muito próxima da teoria de Wach, apenas
diferenciando porque, para Bullow, a ação apenas existiria diante de uma
sentença justa.
A teoria concreta unia
elementos de direito material e processual. A pretensão à tutela jurídica se
voltava tanto contra o Estado quanto contra o adversário. Segundo leciona o
Professor Daniel Amorim Assumpção Neves:
“Apesar do avanço quando
comparada com a teoria imanentista, a teoria concreta defende que o direito de
ação só existe se o direito material existir, condicionando a existência do
primeiro à existência do segundo. Reconhece-se a autonomia do direito de ação,
mas não a sua independência, considerando que o direito de ação dependeria do
direito material” (Daniel Amorim Assumpção Neves, Manual de Direito Processual
Civil, Editora Método, 1ª edição, pág. 72).
Essa teria também está
superada.
TEORIA
ABSTRATA DA AÇÃO
Também chamada de teoria
do direito abstrato de ação, foi criada por Degenkolb e Plósz. Para essa
teoria, o direito material não se confunde com o direito de ação. Da mesma
forma que a teoria concreta, a teoria abstrata da ação mantém a autonomia entre
o direito material e o direito de ação, mas vai além ao afirmar que o direito
de ação é independente do direito material. Assim, pode haver direito de ação
mesmo que não haja direito material.
Para essa teoria, o
direito de ação seria o direito abstrato de obter um pronunciamento do Estado,
por meio da decisão judicial, seja qual for o conteúdo dessa decisão. Nesse
sentido, eventual sentença de improcedência, mesmo negando a existência do
direito material, não retiraria o do direito de ação do autor.
Portanto, o direito de
ação seria abstrato, amplo, genérico e incondicionado, pois não haveria nenhum
requisito que precisasse ser preenchido para a sua existência. Não haveria
nenhuma condição para o exercício do direito de ação. O direito material, para
a teoria abstrata, seria absolutamente irrelevante para a existência do direito
de ação. Ou seja, o direito de ação existiria pelo simples fato de o
Estado-Juiz ter sido provocado a atuar, ainda que seja para negar o direito do
autor (Alexandre Freitas Câmara, Lições de Direito Processual Civil, editora
Lumen Juris, 16ª edição, pág. 122).
Nas lições do professor
Daniel Amorim Assumpção Neves:
“Essa característica de ser o
direito de ação incondicionado leva os abstrativistas puros a rejeitar a
existência das condições da ação consagrada em nosso ordenamento processual.
Para essa corrente de pensamento, o termo carência de ação não existe, porque
não existe nenhuma condição para o exercício do direito de ação, sendo que as
chamadas “condições da ação” – possibilidade jurídica do pedido, interesse de
agir e legitimidade – são na realidade matéria de mérito (...)”. (Daniel Amorim
Assumpção Neves, Manual de Direito Processual Civil, Ed. Método, Editora
Método, 1ª edição, pág. 74).
Assim, para a corrente de
pensamento ora estudada, toda sentença seria uma decisão de mérito, de forma
que, após o trânsito em julgado, estaria protegida pelo fenômeno da coisa
julgada material.
Essa teoria tem relevância
na atualidade. Muitos doutrinadores defendem-na como a mais correta
academicamente e mais condizente com o princípio da economia processual, pois
evitaria a repropositura de demandas já rejeitadas.
TEORIA
ECLÉTICA DA AÇÃO
A teoria eclética da ação
é a adotada pelo nosso Código de Processo Civil. Seu principal teórico foi o
italiano Enrico Tullio Liebman. Para essa corrente de pensamento, o direito de
ação seria abstrato, autônomo em relação ao direito material. Da mesma forma
que a teoria abstrata, a teoria eclética defende a existência do direito de
ação ainda que o demandante não seja titular do direito material invocado.
A diferença entre a teoria
eclética e a teoria abstrata reside no fato de que a teoria eclética considera
que o exercício da ação deve preencher alguns requisitos, os quais Liebman
denominou de condições da ação. Pode-se afirmar que a teoria eclética da ação
constitui a teoria abstrata com temperamentos.
Para a teoria ora
examinada, o direito da ação seria o direito a um julgamento de mérito, pouco
importando se a decisão foi favorável ou desfavorável ao autor. Mas o julgamento
de mérito só ocorreria quando preenchidos alguns requisitos (condições da
ação), quais sejam: a) possibilidade jurídica do pedido; b) legitimidade e c)
interesse de agir.
Na hipótese de o autor não
preencher um dos requisitos, o processo se encerraria sem a apreciação da
pretensão deduzida em juízo (mérito).
Mais uma vez, tomemos as
lições do professor Daniel Amorim Assumpção Neves, que muito bem esclarece as
principais características dessa teoria:
“A teoria eclética defende
que a existência do direito de ação não depende da existência do direito
material, mas do preenchimento de certos requisitos formais chamados de
‘condições da ação’. Para essa teoria, as condições da ação não se confundem
com o mérito, sendo analisadas preliminarmente e, quando ausentes, geram uma
sentença terminativa de carência de ação (art. 267, VI, do CPC) sem a formação
da coisa julgada material. Tratando-se de matéria de ordem pública não há
preclusão, entendendo os defensores da teoria eclética que a qualquer momento do
processo e com qualquer grau de cognição do juiz deve extinguir o processo sem
resolução de mérito por carência de ação se entender ausente uma das condições
da ação”. (Daniel Amorim Assumpção Neves, Manual de Direito Processual Civil,
Editora Método, 1ª edição, pág. 74).
Questão delicada para a
teoria eclética é explicar como uma sentença que extingue o processo,
reconhecendo a carência da ação, por ausência de umas de suas condições, não
seria manifestação do direito de ação. Ora, havendo uma resposta do Juiz, ainda
que para extinguir o
processo sem resolução do
mérito, não teria havido o exercício do direito de ação? Como se poderia
afirmar que não houve o exercício da ação se o Estado-Juiz foi provocado e
respondeu à provocação?
Para responder a essa questão,
Liebman faz uma distinção entre direito de petição e direito de ação. O direito
de petição consistiria no direito a obter uma manifestação de qualquer órgão
público, entre eles o Judiciário. Já o direito de ação consubstanciaria o
direito a uma sentença de mérito. Assim, o direito de petição seria amplo,
genérico e incondicional, mas o direito de ação seria condicionado. Logo, nas
hipóteses em que não fossem preenchidas as condições da ação, haveria mero
exercício do direito de petição e não do direito de ação.
Para facilitar a
memorização pelo Candidato, concentramos as principais características de cada
teoria no seguinte quadro sinótico:
QUADRO
SINÓTICO
- Teoria Imenentista
ou Civilista
* Savigny e Clóvis Beviláqua;
* Não há autonomia entre direito de
ação e o direito material;
* É o próprio direito material em
movimento;
* Só há ação se houver o direito
material;
* A ação é dirigida contra o
adversário;
* Essa teoria está superada.
- Teoria Concreta
* Adoph Wach e Bullow
* Distinção entre direito material e
direito de ação;
* Direito de ação é autônomo, mas
dependente do direito material;
* Só há direito de ação se houver
direito material;
* A ação se volta contra o Estado e
contra o adversário;
* A ação seria um direito autônomo,
público e concreto;
* Está superada.
- Teoria Abstrata
* Degenkolb e Plósz;
* Autonomia entre o direito material
e o direito de ação;
* Direito de ação é independente do
direito material;
* Pode haver direito de ação mesmo
que não haja direito material;
* Direito de ação é o direito
abstrato de obter um pronunciamento do Estado, seja qual for o conteúdo dessa
decisão;
* Abstrato, amplo, genérico e
incondicionado;
* Não há nenhuma condição para o
exercício do direito de ação;
* Toda sentença seria uma decisão de
mérito;
* A ação é dirigida contra o Estado;
* Relevância atual.
- Teoria Eclética
* Liebman
* Adotada pelo CPC;
* Direto de ação seria abstrato,
autônomo em relação ao direito material;
* direito da ação como direito a um
julgamento de mérito;
* Teoria abstrata + condições da
ação;
* Necessidade de preencher as
condições da ação: a) Possibilidade jurídica do pedido; legitimidade; interesse
de agir;
* Ausente uma das condições da ação,
o processo se encerrara sem a apreciação do mérito (não forma coisa julgada
material);
* Condições da ação são questões de
ordem pública. Podem ser conhecidas a qualquer momento do processo e em
qualquer grau de jurisdição;
* Distinção entre direito de petição
(incondicionado) e direito de ação (condicionado);
* Ação contra o Estado-Juiz;
* Relevância atual.