Questão 02
(FCC – TRE/CE – Analista Judiciário/Área Judiciária – 2012)
José, primário, de bons antecedentes e regularmente identificado, está sendo investigado em regular inquérito policial, acusado de praticar crime de contrabando na forma simples, punido com reclusão de um a quatro anos. Nesse caso,
(A) o Juiz poderá aplicar de ofício a José, durante a fase investigatória, uma das medidas cautelares substitutivas da prisão preventiva, desde que presentes os pressupostos legais para tanto.
(B) o Juiz poderá decretar, de ofício, durante a fase investigatória, presentes os requisitos legais, a prisão preventiva de José.
(C) havendo prisão em flagrante e tratando-se de crime inafiançável, o juiz poderá conceder a José liberdade provisória.
(D) havendo prisão em flagrante, a Autoridade Policial não poderá arbitrar a fiança ao réu, cabendo exclusivamente ao Magistrado fixá-la.
(E) o Juiz, em regra, não poderá decretar a prisão preventiva de José
Gabarito: “E”
(Comentários: Jorge Farias)
Trata-se de mais uma questão a demonstrar a importância do conhecimento, pelo candidato, das inovações legislativas em matéria processual penal. Mais uma vez, o tema refere-se à Lei 12.403/2011, em vigor desde julho do ano passado, que promoveu profundas reformas em assuntos dos mais sensíveis do CPP, neste caso, as prisões de natureza cautelar.
Doutrinariamente, a prisão é classificada como medida cautelar de natureza pessoal, uma vez que são “medidas restritivas ou privativas da liberdade de locomoção adotadas contra a pessoa do investigado ou acusado com o objetivo de assegurar a eficácia do processo.”1
Ressalte-se que, com a nova sistemática do Código trazida pela Lei 12.403/2011, a constrição da liberdade passou a ser a última ratio, ou seja, tornou-se instrumento apenas subsidiário, quando inaplicáveis as medidas intermediárias, e respeitadas diversas exigências legais (art. 282, § 6º, CPP).
Para se ter uma idéia, com a Lei 12.403/2011 há uma ampliação do rol de medidas cautelares de natureza pessoal, possibilitando a adoção da medida adequada e suficiente para cada caso concreto. No art. 319 do CPP, são previstas 09 (nove) medidas cautelares novas diferentes da prisão. Contudo, não são apenas essas. No art. 320, há a medida cautelar de retenção do passaporte. Por derradeiro, os arts. 317 e 318 introduziram a prisão domiciliar como medida cautelar; antes, ela era prevista na LEP apenas. No total, são 11 (onze) medidas cautelares pessoais que foram criadas e introduzidas no CPP pela Lei 12.403/2011.
Especificamente em relação à prisão preventiva, faz-se mister analisar os arts. 312 e 313 do Código de Processo Penal, que estabelecem os requisitos da referida medida constritiva da liberdade:
Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:
I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;
II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;
III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;
IV - (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).
Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.
Do cotejo entre o enunciado (“José, primário, de bons antecedentes e regularmente identificado, está sendo investigado em regular inquérito policial, acusado de praticar crime de contrabando na forma simples, punido com reclusão de um a quatro anos”) e os dispositivos legais acima transcritos, logo já se observa que o caso em análise não se enquadra nos permissivos do art. 313, pois:
I – o contrabando enseja a aplicação da pena de reclusão, de um a quatro anos, portanto, inferior ao mínimo legal (pena máxima superior a quatro anos);
II – José é primário (ou seja, sem condenação anterior por crime doloso, com sentença transitada em julgado);
III – trata-se de crime cometido por particular contra a administração em geral e, portanto, fora do contexto de violência doméstica e familiar;
IV – José é regularmente identificado, o que exclui a hipótese do parágrafo único.
Portanto, conclui-se, de plano, ser INCORRETA a alternativa “B” (“o Juiz poderá decretar, de ofício, durante a fase investigatória, presentes os requisitos legais, a prisão preventiva de José”), e CORRETA a alternativa “E” (“o Juiz, em regra, não poderá decretar a prisão preventiva de José”), uma vez ausentes os requisitos legais.
Nesse contexto, passemos à análise das demais alternativas.
A - o Juiz poderá aplicar de ofício a José, durante a fase investigatória, uma das medidas cautelares substitutivas da prisão preventiva, desde que presentes os pressupostos legais para tanto. INCORRETO.
O procedimento para a decretação das medidas cautelares encontra-se previsto no art. 282 do CPP, que assim dispõe:
“Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:
I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais;
II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
§ 1o As medidas cautelares poderão ser aplicadas isolada ou cumulativamente.
§ 2o As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz, de ofício ou a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público.
§ 3o Ressalvados os casos de urgência ou de perigo de ineficácia da medida, o juiz, ao receber o pedido de medida cautelar, determinará a intimação da parte contrária, acompanhada de cópia do requerimento e das peças necessárias, permanecendo os autos em juízo.
§ 4o No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, de ofício ou mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelante, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva (art. 312, parágrafo único).
§ 5o O juiz poderá revogar a medida cautelar ou substituí-la quando verificar a falta de motivo para que subsista, bem como voltar a decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
§ 6o A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319).”
Da leitura do dispositivo, nota-se que durante a fase investigatória, não cabe a decretação de cautelares diversas da prisão preventiva de ofício, mas somente por iniciativa da autoridade policial ou do Ministério Público, a teor do art. 282, § 2º, do CPP.
E isso se justifica porque “quando se fala em atuação do juiz de ofício, temos que separar dois momentos. Na fase processual, o juiz pode (e deve) agir de ofício. Por outro lado, na fase investigatória, permitir que o juiz atue de ofício é evidente violação ao sistema acusatório, quebrando sua imparcialidade.”2
Por tal razão, o art. 311 do CPP também veda a decretação da preventiva de ofício no curso da fase investigatória, permitindo-a somente na fase processual (outro fundamento a demonstrar o equívoco da alternativa "B", aliás). Do mesmo modo, a lei de prisão temporária (Lei 7.960/89).
Portanto, incorreta a alternativa.
C - havendo prisão em flagrante e tratando-se de crime inafiançável, o juiz poderá conceder a José liberdade provisória. INCORRETO.
Pela nova sistemática implementada por força da Lei 12.403/2011, trata-se de crime afiançável, pois não elencado o contrabando dentre as vedações à fiança previstas nos art. 323 e o caso narrado não se enquadra no art. 324 do CPP, respectivamente assim redigidos:
“Art. 323. Não será concedida fiança:
I - nos crimes de racismo;
II - nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos;
III - nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;
IV - (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).
V - (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).
Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança:
I - aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código;
II - em caso de prisão civil ou militar;
III - (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).
IV - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).”
Portanto, INCORRETA a alternativa.
D - havendo prisão em flagrante, a Autoridade Policial não poderá arbitrar a fiança ao réu, cabendo exclusivamente ao Magistrado fixá-la. INCORRETO.
O crime de contrabando enseja pena de reclusão de um a quatro anos, o que permite o arbitramento da fiança pela própria autoridade policial, consoante prevê o art. 322 do CPP, também alterado pela Lei 12.403/2011:
“Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.
Parágrafo único. Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.”
1Aula do professor Renato Brasileiro no Curso Intensivo AGU/DPU da Rede LFG, ministrada em 19.08.2011.
2Aula do professor Renato Brasileiro no Curso Intensivo AGU/DPU da Rede LFG, ministrada em 19.08.2011.
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