5) (FCC - Analista Judiciário – Área Judiciária - TRF 1 ª Região/2011)
No início do ano, é comum a ocorrência de fortes tempestades, que, conforme têm mostrado os noticiários, estão causando consequências avassaladoras em diversas regiões do país. Quando chuvas dessa natureza provocarem enchentes na cidade, inundando casas e destruindo objetos, o Estado
(A) responderá, com fundamento na teoria do risco integral.
(B) responderá, por se tratar de exemplo em que se aplica a responsabilidade objetiva do Estado.
(C) responderá se, aliado ao fato narrado, ocorreu omissão do Poder Público na realização de determinado serviço.
(D) jamais responderá, por se tratar de hipótese de força maior, causa excludente da responsabilidade estatal.
(E) jamais responderá, por se tratar de hipótese de caso fortuito.
Gabarito: C
Comentários (Rafael de Jesus)
(A) ERRADA. A teoria do risco integral consiste numa formulação a respeito da responsabilidade estatal segundo a qual todo e qualquer prejuízo que adviesse ao cidadão deveria ser reparado pelo Estado, o qual funcionaria como um segurador universal. Parte da ideia de que os prejuízos devem ser repartidos por toda a sociedade. Entretanto, essa teoria não encontra guarida no ordenamento jurídico pátrio, sendo considerada um exagero pela doutrina administrativa.
Na verdade, a Constituição Federal de 1988 adotou a teoria do risco administrativo, que impõe ao Estado a assunção dos riscos derivados das atividades estatais em geral. No entanto, não deve o Estado funcionar como um segurador universal, pois ele somente irá responder se configurados os requisitos básicos da responsabilidade objetiva, quais sejam: conduta, nexo de causalidade e resultado danoso. É o que se extrai do § 6º do art. 37 da CF:
“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
Logo, se estiver presente alguma causa apta a romper o nexo causal (caso fortuito ou força maior), o Estado não será responsabilizado. A princípio, é essa a hipótese do enunciado da questão, pois a ocorrência de fortes chuvas caracteriza-se como fortuito externo, pelo que se rompe o elo entre o resultado danoso e a conduta estatal.
(B) ERRADA. De fato, aplica-se a teoria da responsabilização objetiva em casos tais, mas, como já ressaltado nos comentários à alternativa anterior, a responsabilidade do Estado seria, a princípio, afastada na hipótese, pois presente evento apto a provocar o rompimento do nexo causal.
(C) CORRETA. Veja que a própria alternativa acrescenta um fato novo em relação àquilo que descreve o enunciado: “se, aliado ao fato narrado, ocorreu omissão do Poder Público na realização de determinado serviço”. Ou seja, afirma-se que se o Estado se omitir de forma específica deverá ser responsabilizado.
Com efeito, se o Estado se omite quando tinha o dever legal de agir para impedir o advento do dano, estará configurada a ocorrência de culpa, aplicando-se não a teoria do risco administrativo, mas sim a teoria da culpa do serviço. Por meio desta última teoria, desvincula-se a responsabilidade estatal da ideia de culpa do servidor, falando-se em culpa do serviço público, a qual ocorre quando: o serviço público não funcionou (omissão), funcionou atrasado ou funcionou mal1.
Ressalte-se que a omissão deve ser específica, como destaca a presente alternativa ao se referir à “realização de determinado serviço”. Não pode o Estado ser responsabilizado por omissões genéricas, como as consistentes no descumprimento de seu dever generalizado de zelar pela segurança, pela saúde, pela educação ou pela moradia.
A respeito, confira-se o seguinte precedente do STJ:
PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. INCÊNDIO NO INTERIOR DE ESTABELECIMENTO DE CASA DESTINADA A "SHOWS". DESAFIO AO ÓBICE DA SÚMULA 07/STJ. AUSÊNCIA DE NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A OMISSÃO ESTATAL E O DANO - INCÊNDIO -. CULPA DE TERCEIROS. PREJUDICADA A ANÁLISE DO CHAMAMENTO DO PROCESSO.
1. Ação indenizatória em face de Município, em razão de incêndio em estabelecimento de casa destinada a shows, ocasionando danos morais, materiais e estéticos ao autor.
2. Omissis.
3. Omissis.
4. A jurisprudência desta Corte tem se posicionado no sentido de que em se tratando de conduta omissiva do Estado a responsabilidade é subjetiva e, neste caso, deve ser discutida a culpa estatal. Este entendimento cinge-se no fato de que na hipótese de Responsabilidade Subjetiva do Estado, mais especificamente, por omissão do Poder Público o que depende é a comprovação da inércia na prestação do serviço público, sendo imprescindível a demonstração do mau funcionamento do serviço, para que seja configurada a responsabilidade. Diversa é a circunstância em que se configura a responsabilidade objetiva do Estado, em que o dever de indenizar decorre do nexo causal entre o ato administrativo e o prejuízo causado ao particular, que prescinde da apreciação dos elementos subjetivos (dolo e culpa estatal), posto que referidos vícios na manifestação da vontade dizem respeito, apenas, ao eventual direito de regresso. Precedentes: (REsp 721439/RJ; DJ 31.08.2007; REsp 471606/SP; DJ 14.08.2007; REsp 647.493/SC; DJ 22.10.2007; REsp 893.441/RJ, DJ 08.03.2007; REsp 549812/CE; DJ 31.05.2004)
5. In casu, o Tribunal de origem entendeu tratar-se da responsabilidade subjetiva do Estado, em face de conduta omissiva, consoante assentado: "(...)Também restou incontroveso nos autos que o incêndio teve como causa imediata as faíscas advindas do show pirotécnico promovido irresponsavelmente dentro do estabelecimento, não obstante constar da caixa de fogos o alerta do fabricante para soltá-los sempre em local aberto, ao ar livre, e nunca perto de produtos inflamáveis (…)”
6. Omissis.
7. Deveras, em se tratando de responsabilidade subjetiva, além da perquirição da culpa do agente há de se verificar, assim como na responsabilidade objetiva, o nexo de causalidade entre a ação estatal comissiva ou omissiva e o dano. A doutrina, sob este enfoque preconiza: "Se ninguém pode responder por um resultado a que não tenha dado causa, ganham especial relevo as causas de exclusão do nexo causal, também chamadas de exclusão de responsabilidade. É que, não raro, pessoas que estavam jungidas a determinados deveres jurídicos são chamadas a responder por eventos a que apenas aparentemente deram causa, pois, quando examinada tecnicamente a relação de causalidade, constata-se que o dano decorreu efetivamente de outra causa, ou de circunstância que as impedia de cumprir a obrigação a que estavam vinculadas. E, como diziam os antigos, 'ad impossibilia nemo tenetur'. Se o comportamento devido, no caso concreto, não foi possível, não se pode dizer que o dever foi violado.(...)" (pág. 63). E mais: "(...) é preciso distinguir 'omissão genéria' do Estado e 'omissão específica'(...) Haverá omissão específica quando o Estado, por omissão sua, crie a situação propícia para a ocorrência do evento em situação em que tinha o dever de agir para impedi-lo. Assim, por exemplo, se o motorista embrigado atropela e mata pedestre que estava na beira da estrada, a Administração (entidade de trânsito) não poderá ser responsabilizada pelo fato de estar esse motorista ao volante sem condições. Isso seria responsabilizar a Administração por omissão genérica. Mas se esse motorista, momentos antes, passou por uma patrulha rodoviária, teve o veículo parado, mas os policiais, por alguma razão, deixaram-no prosseguir viagem, aí já haverá omissão específica que se erige em causa adequada do não-impedimento do resultado. Nesse segundo caso haverá responsabilidade objetiva do Estado.(...)" (pág. 231) (Sérgio Cavalieri Filho, in "Programa de Responsabilidade Civil", 7ª Edição, Editora Atlas).
8. In casu, o dano ocorrido, qual seja o incêndio em casa de shows, não revela nexo de causalidade entre a suposta omissão do Estado. Porquanto, a causa dos danos foi o show pirtotécnico, realizado pela banda de música em ambiente e local inadequados para a realização, o que não enseja responsabilidade ao Município cujas exigências prévias ao evento não foram insuficientes ou inadequadas, ou na omissão de alguma providência que se traduza como causa eficiente e necessária do resultado danoso.
9. Neste sentido, bem preconizou a sentença a quo: "em face dos elementos carreados aos autos, verifica-se que a causa do incêndio foram as fagulhas provocadas pelo show pirotécnico dentro do estabelecimento, evidentemente promovido e autorizado pelos seus administradores que não observaram, devidamente, o aviso do fabricante, estampado na caixa dos fogos para soltá-los em local amplo e aberto, ou seja, ao ar livre 'sendo desaconselhável seu uso perto de produtos inflamáveis'. f. 151. Diante disto, não restaram dúvidas que o ato culposo foi praticado por terceiros que, de forma inescrupulosa decidiram promover o show pirotécnico, sem qualquer zelo com as 1.500 pessoas que superlotaram aquela casa noturna, não obstante terem conhecimento possuía capacidade para 270 pessoas." (fl. 329) 10. O contexto delineado nos autos revela que o evento danoso não decorreu de atividade eminentemente estatal, ao revés, de ato de particulares estranhos à lide.
11. Omissis.
12. Recurso Especial provido.
(REsp 888.420/MG, Rel. Ministro LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/05/2009, DJe 27/05/2009).
(D) ERRADA. O erro dessa alternativa é a expressão “jamais”, pois, como se viu nos comentários à alternativa C, há sim hipóteses em que o Estado poderá ser responsabilizado, mormente se verificada a sua omissão específica.
(E) ERRADA. Novamente, o erro encontra-se na expressão “jamais”, que traz uma generalização inadequada. Aliás, as alternativas que contêm os advérbios “jamais”, “sempre”, “todos” devem sempre gerar desconfiança dos candidatos, pois no direito as generalizações raramente são corretas, sendo corrente a existência de exceções.
Quanto à diferenciação entre as expressões força maior e caso fortuito, ressaltamos a existência de controvérsias a respeito, embora nos adaptemos à corrente dos que entendem a força maior como um acontecimento proveniente da vontade do homem e caso fortuito como um evento produzido pela natureza. Mas registramos a existência de autores que pontuam exatamente o contrário. No entanto, essa distinção é irrelevante, pois os efeitos gerados por qualquer deles serão os mesmos, ou seja, o nexo causal será rompido. O próprio Código Civil de 2002 absteve-se de fazer qualquer diferenciação, consoante se colhe do parágrafo único do seu art. 393:
“Art. 393. [...]
Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir”.
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