4) (FCC - 2011 - Analista Judiciário - Área Judiciária - TRT - 20ª REGIÃO)
José foi acusado de, dirigindo um veículo automotor, ter atropelado um pedestre e lhe causado ferimentos. No processo criminal relativo ao fato, foi decidido que José não foi o autor do fato, tendo a sentença criminal transitado em julgado. Nesse caso, na esfera civil, José
a) só poderá vir a ser responsabilizado pelos danos morais decorrentes do atropelamento.
b) poderá vir a ser responsabilizado pelos danos materiais e morais decorrentes do atropelamento porque a responsabilidade civil é independente da criminal.
c) não mais poderá ser responsabilizado pelos danos materiais e morais decorrentes do atropelamento.
d) poderá vir a ser responsabilizado pelos danos materiais decorrentes do atropelamento porque a sentença criminal não afastou a existência do fato.
e) poderá vir a ser responsabilizado pelos danos morais decorrentes do atropelamento porque a sentença criminal não afastou a existência do fato.
Gabarito: C
COMENTÁRIOS (Daniel Mesquita)
A questão trata da responsabilidade civil extracontratual ou aquiliana. Essa espécie de responsabilidade civil está calcada fundamentalmente na ideia de ato ilícito e de abuso de direito, previstas nos artigos 186 e 187 do CC:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
No caso do ato ilícito (art. 186) merece destaque a expressão violar direito e causar dano a outrem. Isso significa que para que se configure um ilícito civil e o consequente dever de indenizar, é necessário que tenha havido uma ação ou omissão que viole direito e, além disso, cause dano. A violação do direito, por si só, portanto, não caracterizará ato ilícito civil.
Por sua vez, o abuso de direito (art. 187) é configurado não pelo ato praticado em si, que em sua essência é lícito, mas no seu exercício, que se dá de forma irregular. Para exemplificar, podemos apontar a greve, que, em si é lícita, mas pode ser exercida de forma irregular, caracterizando o abuso de direito.
Enquanto para a caracterização do ato ilícito, o CC exige pelo menos culpa (sentido amplo), o abuso de direito é configurado objetivamente, independentemente de culpa, nos termos do enunciado n. 37 da I Jornada de Direito Civil, segundo o qual “a responsabilidade civil decorrente do direito independe de culpa e fundamenta-se somente no critério objetivo-finalístico”.
No caso exposto na questão, José teria cometido ilícito que geraria dever de indenizar, atraindo a incidência do art. 927 do CC:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Ocorre que o ato supostamente praticado por José também configura ilícito penal, razão pela qual também foi necessária a instauração de processo crime. Em regra, as diversas instâncias (civil, penal e administrativa) são independentes, de modo que se o agente for condenado em uma delas poderá ser absolvido nas demais, pois o resultado do julgamento de uma delas não interfere nas demais.
Entretanto, o próprio texto legal traz duas exceções a essa regra no que tange à responsabilidade civil: i) negativa de autoria e ii) inexistência do fato. De acordo com essas ressalvas, caso, no processo criminal, fique constatado que o agente não foi o autor do fato ou que o fato não ocorreu não será possível haver condenação no âmbito civil.
Art. 935. A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.
Isso ocorre porque no âmbito do processo criminal há a busca pela verdade real, com uma ampla produção probatória, mais fidedigna com a realidade, pautada em um juízo de certeza. Desse modo, se na esfera penal ficou comprovado que não houve crime ou que o acusado não foi o autor estamos diante de um juízo profundo de certeza com base em provas robustas, diferentemente do âmbito civil, que se pauta na verdade formal (relativa ao que está nos autos).
Assim, na questão enfrentada, ficou comprovado no processo criminal que José não foi o autor do fato, tendo a sentença criminal transitado em julgado, de modo que fica afastada também a sua responsabilidade civil pelo atropelamento (alternativa C), eis que não se pode responsabilizar quem não deu causa ao dano.
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