Questão 02
(FGV – Senado Federal – Policial Legislativo – 2012)
Preso em flagrante regular pela prática do crime de rufianismo, previsto no artigo 230 do Código Penal, Tício é encaminhado à Delegacia de Polícia Civil no dia 7 de fevereiro de 2012. O delegado, ao lavrar o auto de prisão em flagrante, representa formalmente pela decretação da prisão preventiva, alegando, para tanto, que Tício havia sido previamente condenado pelo delito de homicídio doloso qualificado por motivo fútil, previsto no artigo 121, § 2º, inciso I, do Código Penal, de maneira que o término da execução de sua pena se deu no dia 2 de fevereiro de 2007. Com base no caso acima apresentado, assinale a afirmativa INCORRETA:
A) Ao receber o auto de prisão em flagrante, poderá o juiz, em razão das características do caso concreto, e com o fito de garantir a investigação criminal, conceder liberdade provisória e impor, fundamentadamente, a necessidade do comparecimento mensal de Tício ao juízo para informar e justificar suas atividades, sob pena de decretação de prisão preventiva.
B) Em até vinte e quatro horas após a realização da prisão, deverá o auto de prisão em flagrante ser encaminhado ao juízo competente e, na hipótese de o autuado não informar o nome de seu advogado, deverão ser encaminhadas cópias integrais para a Defensoria Pública.
C) Caso entendesse pertinente, poderia o próprio delegado, após a lavratura auto de prisão em flagrante, conceder fiança a Tício, nos termos do art. 322 do Código de Processo Penal, haja vista o crime em questão não ter prevista pena máxima superior a quatro anos.
D) Ao receber o auto de prisão em flagrante, poderá o juiz relaxá-la ao argumento de que não vislumbra a presença dos requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, e de que Tício não ostenta a característica de reincidente, haja vista o transcurso de mais de cinco anos entre a data da prisão e o término da execução da pena privativa de liberdade.
E) Ao receber o auto de prisão em flagrante, poderá o juiz conceder liberdade provisória a Tício, haja vista se tratar de flagrante em razão de crime para o qual a lei comina pena máxima de quatro anos de reclusão e pelo fato de não vislumbrar os requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal.
Gabarito: “D”
Comentários (Jorge Farias):
Trata-se de mais uma questão a abordar diversos aspectos da nova normatização conferida pela Lei 12.403/2011 às prisões de natureza cautelar, a corroborar nossos constantes alertas acerca da importância de conhecer as novidades legislativas, por serem temas de particular predileção dos examinadores.
Passemos, pois, à análise das assertivas, destacando que o enunciado exige a indicação da INCORRETA.
A) Ao receber o auto de prisão em flagrante, poderá o juiz, em razão das características do caso concreto, e com o fito de garantir a investigação criminal, conceder liberdade provisória e impor, fundamentadamente, a necessidade do comparecimento mensal de Tício ao juízo para informar e justificar suas atividades, sob pena de decretação de prisão preventiva. CORRETA.
Consoante já amplamente exposto em nossos simulados anteriores, a Lei 12.403/2011 trouxe ao CPP uma série de medidas cautelares diversas da prisão, ante a subsidiariedade da preventiva, cujo cabimento tornou-se muito mais restrito.
Portanto, ao receber o auto de prisão em flagrante, o magistrado, constatando a ausência dos requisitos para a decretação da prisão preventiva, deve conceder liberdade provisória, podendo, caso julgue necessário, impor medida cautelar conveniente à instrução criminal.
Confiram-se, a esse respeito, os artigos 310 e 282 do CPP:
“Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:
I - relaxar a prisão ilegal; ou
II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou
III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.
Parágrafo único. Se o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, que o agente praticou o fato nas condições constantes dos incisos I a III do caput do art. 23 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, poderá, fundamentadamente, conceder ao acusado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de revogação.”
“Art. 282. As medidas cautelares previstas neste Título deverão ser aplicadas observando-se a:
I - necessidade para aplicação da lei penal, para a investigação ou a instrução criminal e, nos casos expressamente previstos, para evitar a prática de infrações penais;
II - adequação da medida à gravidade do crime, circunstâncias do fato e condições pessoais do indiciado ou acusado.
(...)
§ 6o A prisão preventiva será determinada quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar (art. 319).”
E dentre as cautelares diversas da prisão encontra-se o comparecimento mensal a juízo:
“Art. 319. São medidas cautelares diversas da prisão:
I - comparecimento periódico em juízo, no prazo e nas condições fixadas pelo juiz, para informar e justificar atividades;
II - proibição de acesso ou frequência a determinados lugares quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado permanecer distante desses locais para evitar o risco de novas infrações;
III - proibição de manter contato com pessoa determinada quando, por circunstâncias relacionadas ao fato, deva o indiciado ou acusado dela permanecer distante;
IV - proibição de ausentar-se da Comarca quando a permanência seja conveniente ou necessária para a investigação ou instrução;
V - recolhimento domiciliar no período noturno e nos dias de folga quando o investigado ou acusado tenha residência e trabalho fixos;
VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais;
VII - internação provisória do acusado nas hipóteses de crimes praticados com violência ou grave ameaça, quando os peritos concluírem ser inimputável ou semi-imputável (art. 26 do Código Penal) e houver risco de reiteração;
VIII - fiança, nas infrações que a admitem, para assegurar o comparecimento a atos do processo, evitar a obstrução do seu andamento ou em caso de resistência injustificada à ordem judicial;
IX - monitoração eletrônica.”
B) Em até vinte e quatro horas após a realização da prisão, deverá o auto de prisão em flagrante ser encaminhado ao juízo competente e, na hipótese de o autuado não informar o nome de seu advogado, deverão ser encaminhadas cópias integrais para a Defensoria Pública. CORRETA.
Trata-se de previsão expressa do CPP, art. 306, em ordem a preservar o direito constitucional do preso à assistência jurídica e de sua família, bem como da identificação dos responsáveis por sua prisão (art. 5º, incisos LXII a LXIV):
“Art. 306. A prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente, ao Ministério Público e à família do preso ou à pessoa por ele indicada.
§ 1o Em até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, será encaminhado ao juiz competente o auto de prisão em flagrante e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.
§ 2o No mesmo prazo, será entregue ao preso, mediante recibo, a nota de culpa, assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas.”
C) Caso entendesse pertinente, poderia o próprio delegado, após a lavratura auto de prisão em flagrante, conceder fiança a Tício, nos termos do art. 322 do Código de Processo Penal, haja vista o crime em questão não ter prevista pena máxima superior a quatro anos. CORRETA.
As infrações cuja pena privativa de liberdade legalmente cominada não ultrapassar o patamar de quatro anos, as quais, por si sós, não permitem a imposição de prisão preventiva, também autorizam a fixação da fiança pela própria autoridade policial:
“Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.
Parágrafo único. Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.”
D) Ao receber o auto de prisão em flagrante, poderá o juiz relaxá-la ao argumento de que não vislumbra a presença dos requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal, e de que Tício não ostenta a característica de reincidente, haja vista o transcurso de mais de cinco anos entre a data da prisão e o término da execução da pena privativa de liberdade. INCORRETA.
De fato, o transcurso de mais de cinco anos desde o término da execução da pena anterior e a data da prisão em flagrante de Tício afasta a configuração da reincidência, por força do art. 64 do CP:
“Reincidência
Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.
Art. 64 - Para efeito de reincidência:
I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação;
II - não se consideram os crimes militares próprios e políticos.”
Entretanto, caso o juiz não vislumbre os requisitos da prisão preventiva, não deve relaxar o flagrante, mas conceder liberdade provisória, em homenagem ao art. 310 do CPP, novamente transcrito para fins mnemônicos:
“Art. 310. Ao receber o auto de prisão em flagrante, o juiz deverá fundamentadamente:
I - relaxar a prisão ilegal; ou
II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou
III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.”
Portanto, o relaxamento do flagrante somente ocorre caso seja julgada ilegal a prisão pelo magistrado ao qual for encaminhado o APF, donde se evidencia o equívoco da assertiva.
E) Ao receber o auto de prisão em flagrante, poderá o juiz conceder liberdade provisória a Tício, haja vista se tratar de flagrante em razão de crime para o qual a lei comina pena máxima de quatro anos de reclusão e pelo fato de não vislumbrar os requisitos previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal. CORRETA.
A possibilidade, ou mais que isso, o dever de o magistrado conceder liberdade provisória a Tício, caso ausentes os requisitos da prisão preventiva, já foram aqui amplamente referidos.
Cabe, portanto, ressaltar a previsão legal do cabimento da prisão preventiva, constante dos arts. 312 e 313 do CPP:
“Art. 312. A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria.
Parágrafo único. A prisão preventiva também poderá ser decretada em caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas por força de outras medidas cautelares (art. 282, § 4o).
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:
I - nos crimes dolosos punidos com pena privativa de liberdade máxima superior a 4 (quatro) anos;
II - se tiver sido condenado por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o disposto no inciso I do caput do art. 64 do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal;
III - se o crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso, enfermo ou pessoa com deficiência, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência;
IV - (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011).
Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida.”
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