segunda-feira, 16 de abril de 2012

Simulado 11_2012 - Penal e Processo Penal - Questão 5 - Comentários

Questão 05

(CESPE – TJ/ES – Juiz de Direito – 2011)

A respeito da ação penal, assinale a opção correta.

A) Segundo a jurisprudência do STJ, caso a queixa-crime seja apresentada perante juízo incompetente, o mero ajuizamento da queixa não será suficiente para obstar a decadência, uma vez que não ocorrerá a interrupção do seu prazo.

B) Nos delitos contra a dignidade sexual, procede-se, em regra, mediante ação penal pública condicionada à representação; no entanto, se a vítima for vulnerável, a ação será pública incondicionada, situação em que a ação penal é denominada secundária.

C) A representação, condição de procedibilidade exigida nos crimes de ação penal pública condicionada, só se aperfeiçoa com a inequívoca manifestação de vontade, formal e escrita, da vítima ou de seu representante legal no sentido de que se promova a responsabilidade penal do agente.

D) Segundo a jurisprudência recente e dominante no âmbito do STJ, é indispensável a fundamentação no despacho que receba a denúncia na ação penal submetida ao rito comum ordinário, visto que tal ato jurisdicional possui caráter decisório, não devendo a fundamentação ser sucinta.

E) A ação penal, no crime de lesão corporal em que o agente se prevaleça das relações domésticas, é de iniciativa pública incondicionada, razão pela qual não é possível, nessa hipótese, a retratação da vítima.


Gabarito: “B”


Comentários (Jorge Farias):

Trata-se de questão típica do CESPE, a exigir profundo conhecimento jurisprudencial emanado da leitura dos informativos do STJ e do STF.

Passemos, pois, à análise das assertivas.


A) Segundo a jurisprudência do STJ, caso a queixa-crime seja apresentada perante juízo incompetente, o mero ajuizamento da queixa não será suficiente para obstar a decadência, uma vez que não ocorrerá a interrupção do seu prazo. INCORRETA.

O entendimento dos tribunais superiores consolidou-se em sentido contrário, do que é exemplificativo o seguinte julgado do STJ:

HABEAS CORPUS. INJÚRIA RACIAL (ARTIGO 140, § 3º, DO CÓDIGO PENAL). ALEGADA DECADÊNCIA. AÇÃO PENAL PROPOSTA PELA DEFENSORIA PÚBLICA DENTRO DO PRAZO LEGAL. IRRELEVÂNCIA DO AJUIZAMENTO DA QUEIXA-CRIME PERANTE JUÍZO INCOMPETENTE. INTERRUPÇÃO DO PRAZO DECADENCIAL PELO SIMPLES PROTOCOLO DA PETIÇÃO INICIAL. DESPROVIMENTO DO RECURSO.

1. Havendo dados seguros de que a queixa-crime foi intentada dentro do prazo legal, e inexistindo quaisquer elementos concretos que afastem a conclusão de que a ação penal privada foi ajuizada pela Defensoria Pública antes da consumação do prazo decadencial, não se pode falar em extinção da punibilidade do recorrente.

2. Mesmo que a queixa-crime tenha sido apresentada perante Juízo incompetente, o certo é que o seu simples ajuizamento é suficiente para obstar a decadência, interrompendo o seu Doutrina. Precedentes do STJ e do STF.

3. Recurso desprovido.” (RHC 25.611/RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, Dje de 25.08.2011)


B) Nos delitos contra a dignidade sexual, procede-se, em regra, mediante ação penal pública condicionada à representação; no entanto, se a vítima for vulnerável, a ação será pública incondicionada, situação em que a ação penal é denominada secundária. CORRETA.

Trata-se de previsão expressa do CP, em seu art. 225, diante das reformas empreendidas pela Lei 12.403/2011:

Art. 225. Nos crimes definidos nos Capítulos I e II deste Título, procede-se mediante ação penal pública condicionada à representação.

Parágrafo único. Procede-se, entretanto, mediante ação penal pública incondicionada se a vítima é menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável.”

O conceito de ação penal secundária nos é trazido pela doutrina e ocorre justamente como na hipótese em tela: originariamente, a ação penal é de determinada modalidade (no caso, pública condicionada à representação), mas secundariamente pode assumir outra em razão de circunstâncias legalmente reconhecidas (pública incondicionada diante do interesse público à proteção da incolumidade de vulnerável, nesse exemplo).

Outro exemplo de ação penal secundária ocorre no crime de injúria: em regra, é de ação penal privada, podendo ser pública condicionada à representação na hipótese do art. 141, inciso II, do CP (injúria praticada contra funcionário público, no exercício de suas funções).


C) A representação, condição de procedibilidade exigida nos crimes de ação penal pública condicionada, só se aperfeiçoa com a inequívoca manifestação de vontade, formal e escrita, da vítima ou de seu representante legal no sentido de que se promova a responsabilidade penal do agente. INCORRETA.

Escorreita a assertiva no trecho em que afirma que a representação somente se aperfeiçoa com a inequívoca manifestação de vontade da vítima ou de seu representante legal. Entretanto, não se exige que seja formal e escrita, consoante o magistério de CAPEZ:

A representação não tem forma especial. O Código de Processo Penal, todavia, estabelece alguns preceitos a seu respeito (art. 39, caput e §§ 1º e 2º), mas a falta de um ou de outro não será, em geral, bastante para invalidá-la. Óbvio que a ausência de narração do fato a tornará inócua.

(…)

Dessa forma, não se exige uma peça formal, denominada 'representação', bastando que dos autos se possa inferir, com clareza, aquele desígnio do ofendido. Assim, servem como representação as declarações prestadas à polícia pelo ofendido identificando o autor da infração penal, o boletim de ocorrência, etc.

(…)

Feita a representação contra apenas um suspeito, esta se estenderá aos demais, autorizando o Ministério Público a propor a ação em face de todos, em atenção ao princípio da indivisibilidade da ação penal, consectário do princípio da obrigatoriedade. É o que se chama de eficácia objetiva da representação.”1


D) Segundo a jurisprudência recente e dominante no âmbito do STJ, é indispensável a fundamentação no despacho que receba a denúncia na ação penal submetida ao rito comum ordinário, visto que tal ato jurisdicional possui caráter decisório, não devendo a fundamentação ser sucinta. INCORRETA.

O recebimento da denúncia, em regra, não possui caráter decisório e, portanto, admite fundamentação meramente sucinta, ou mesmo a ausência de fundamentação, consoante pacífica jurisprudência dos tribunais superiores:

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. DESNECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO COMPLEXA. PRECEDENTES. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. QUESTÃO SUPERADA. ORDEM DENEGADA

1. À luz da jurisprudência dominante, não obstante alguns entendimentos contrários, é dispensável a fundamentação no despacho que recebe a denúncia, visto que tal procedimento não possui caráter decisório. Precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal.

2. Ainda que ultrapassado este fundamento, com a prolação da sentença condenatória, que abrange não só a questão da viabilidade da exordial acusatória, mas também o mérito da causa, esvazia-se a discussão acerca da necessidade ou não de fundamentação do despacho que recebe a denúncia.

3. Habeas corpus denegado.” (HC 181.031/SP, Rel. Min. Marco Aurélio Belizze, DJe de 01.03.2012)


E) A ação penal, no crime de lesão corporal em que o agente se prevaleça das relações domésticas, é de iniciativa pública incondicionada, razão pela qual não é possível, nessa hipótese, a retratação da vítima. INCORRETA.

A correção ou incorreção da presente assertiva deve ser avaliada com cuidado, pois depende da qualidade da vítima para se definir qual a espécie de ação penal cabível (se pública incondicionada ou condicionada à representação).

E isso porque somente pode ser pública condicionada à representação se não se tratar de violência doméstica e familiar contra a mulher, pois, caso contrário, a ação passa a ser pública incondicionada, em face de entendimento recentemente consolidado pelo STF no âmbito da ADI 4.424, consoante se depreende do Informativo nº 654:

Em seguida, o Plenário, por maioria, julgou procedente ação direta, proposta pelo Procurador Geral da República, para atribuir interpretação conforme a Constituição aos artigos 12, I; 16 e 41, todos da Lei 11.340/2006, e assentar a natureza incondicionada da ação penal em caso de crime de lesão corporal, praticado mediante violência doméstica e familiar contra a mulher. Preliminarmente, afastou-se alegação do Senado da República segundo a qual a ação direta seria imprópria, visto que a Constituição não versaria a natureza da ação penal — se pública incondicionada ou pública subordinada à representação da vítima. Haveria, conforme sustentado, violência reflexa, uma vez que a disciplina do tema estaria em normas infraconstitucionais. O Colegiado explicitou que a Constituição seria dotada de princípios implícitos e explícitos, e que caberia à Suprema Corte definir se a previsão normativa a submeter crime de lesão corporal leve praticado contra a mulher, em ambiente doméstico, ensejaria tratamento igualitário, consideradas as lesões provocadas em geral, bem como a necessidade de representação. Salientou-se a evocação do princípio explícito da dignidade humana, bem como do art. 226, § 8º, da CF. Frisou-se a grande repercussão do questionamento, no sentido de definir se haveria mecanismos capazes de inibir e coibir a violência no âmbito das relações familiares, no que a atuação estatal submeter-se-ia à vontade da vítima. ADI 4424/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9.2.2012. (ADI-4424)”

1 CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2007. 14. Ed. p. 127/128

Um comentário:

  1. Show de bola o conteúdo do site...parabéns aos organizadores desta excelenta ferramenta de conhecimento jurídico...abraços e que Deus abençoe a todos...

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