Questão 04
(FCC – TRF 2ª Região – Analista Judiciário/Área Judiciária)
Clemente falsificou um alvará judicial para levantamento de depósito judicial em nome de Clementina. Clementina foi até a agência bancária e o apresentou ao caixa, que acabou descobrindo a falsificação. Nesse caso, Clemente
(A) e Clementina responderão pelo crime de falsificação de papéis públicos.
(B) responderá pelo crime de falsificação de documento público e Clementina por uso de documento falso.
(C) e Clementina responderão pelo crime de falsificação de documento público.
(D) responderá pelo crime de falsificação de papéis públicos e Clementina por uso de papel público falsificado.
(E) responderá pelo crime de falsificação de documento particular e Clementina por uso de documento falso.
Gabarito: “B”
Comentários (Jorge Farias):
Para a definição do crime cometido por cada um dos agentes, faz-se mister a identificação do objeto material consistente no “alvará judicial falsificado”.
Analisemos, pois, cada tipo penal:
“Falsificação de papéis públicos
Art. 293 - Falsificar, fabricando-os ou alterando-os:
I – selo destinado a controle tributário, papel selado ou qualquer papel de emissão legal destinado à arrecadação de tributo; (Redação dada pela Lei nº 11.035, de 2004)
II - papel de crédito público que não seja moeda de curso legal;
III - vale postal;
IV - cautela de penhor, caderneta de depósito de caixa econômica ou de outro estabelecimento mantido por entidade de direito público;
V - talão, recibo, guia, alvará ou qualquer outro documento relativo a arrecadação de rendas públicas ou a depósito ou caução por que o poder público seja responsável;
VI - bilhete, passe ou conhecimento de empresa de transporte administrada pela União, por Estado ou por Município:
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa.
§ 1o Incorre na mesma pena quem:
I – usa, guarda, possui ou detém qualquer dos papéis falsificados a que se refere este artigo;
II – importa, exporta, adquire, vende, troca, cede, empresta, guarda, fornece ou restitui à circulação selo falsificado destinado a controle tributário;
III – importa, exporta, adquire, vende, expõe à venda, mantém em depósito, guarda, troca, cede, empresta, fornece, porta ou, de qualquer forma, utiliza em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, produto ou mercadoria:
a) em que tenha sido aplicado selo que se destine a controle tributário, falsificado;
b) sem selo oficial, nos casos em que a legislação tributária determina a obrigatoriedade de sua aplicação.
§ 2º - Suprimir, em qualquer desses papéis, quando legítimos, com o fim de torná-los novamente utilizáveis, carimbo ou sinal indicativo de sua inutilização:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 3º - Incorre na mesma pena quem usa, depois de alterado, qualquer dos papéis a que se refere o parágrafo anterior.
§ 4º - Quem usa ou restitui à circulação, embora recibo de boa-fé, qualquer dos papéis falsificados ou alterados, a que se referem este artigo e o seu § 2º, depois de conhecer a falsidade ou alteração, incorre na pena de detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
§ 5o Equipara-se a atividade comercial, para os fins do inciso III do § 1o, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercido em vias, praças ou outros logradouros públicos e em residências.”
Em percuciente comentário acerca de tal artigo, Rogério Sanches destaca os ensinamentos de Hungria:
“A respeito, leciona Hungria que 'a lei penal cuida de proteger certos papéis públicos representativos de valores ou concernentes a valores de responsabilidade do estado, ou à arrecadação de rendas públicas. Entre tais papéis, há os que têm afinidade com o papel-moeda, destinando-se a meio (e comprovante) de pagamentos de certos tributos, contribuições fiscais ou preços públicos; e há os que se assemelham mais aos documentos em geral, representando, nas hipóteses previstas, meios probatórios contra a Administração Pública (isto é, de recebimentos por parte desta). Dada essa proximidade, mas não identidade, quer com o falsum numerário, quer com o falsum documental, o legislador entender de bom aviso reunir os crimes contra a fé pública atinentes a tais espécies numa classe autônoma, situada na linha de fronteira entre aquelas duas espécies de falsum”1.
Por outro lado, quanto ao crime de falsificação de documento público, temos:
“Falsificação de documento público
Art. 297 - Falsificar, no todo ou em parte, documento público, ou alterar documento público verdadeiro:
Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa.
§ 1º - Se o agente é funcionário público, e comete o crime prevalecendo-se do cargo, aumenta-se a pena de sexta parte.
§ 2º - Para os efeitos penais, equiparam-se a documento público o emanado de entidade paraestatal, o título ao portador ou transmissível por endosso, as ações de sociedade comercial, os livros mercantis e o testamento particular.
§ 3o Nas mesmas penas incorre quem insere ou faz inserir:
I – na folha de pagamento ou em documento de informações que seja destinado a fazer prova perante a previdência social, pessoa que não possua a qualidade de segurado obrigatório;
II – na Carteira de Trabalho e Previdência Social do empregado ou em documento que deva produzir efeito perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter sido escrita;
III – em documento contábil ou em qualquer outro documento relacionado com as obrigações da empresa perante a previdência social, declaração falsa ou diversa da que deveria ter constado.
§ 4o Nas mesmas penas incorre quem omite, nos documentos mencionados no § 3o, nome do segurado e seus dados pessoais, a remuneração, a vigência do contrato de trabalho ou de prestação de serviços.”
Quanto ao objeto material do crime, leciona Rogério Sanches:
“O objeto material do crime é o documento, entendendo-se como tal toda peça escrita que condensa graficamente o pensamento de alguém, podendo provar um fato ou a realização de algum ato dotado de relevância jurídica, desde que seja móvel, pois não são considerados documento os escritos em coisa imóvel (muros) ou veículos (a alteração de sinal identificador de veículo automotor configura o crime previsto no art. 311 do CP). É necessário, ainda, que seja público, sendo que a doutrina o classifica de duas formas: a) documento formal e substancialmente público: emanado de agente público no exercício de suas funções e seu conteúdo diz respeito a questões inerentes ao interesse público (atos legislativos, executivos e judiciários); b) documento formalmente público, mas substancialmente privado: aqui, o interesse é de natureza privada, mas o documento emanado de entes públicos (atos praticados por tabeliães, escrivães, etc).”2
Portanto, constata-se que o alvará judicial enquadra-se no conceito de documento público e não papel público, o que faz a conduta de Clemente amoldar-se àquela prevista no art. 297 do CP. De modo que tal conclusão já elimina as alternativas A, D e E.
Por seu turno, como o enunciado não traz nenhuma informação acerca da participação de Clementina no crime de falsificação de documento público, infere-se que somente foi autora do crime de uso do documento falso (alvará judicial).
Caso tivesse sido co-autora ou partícipe da falsificação, o crime de uso restaria absorvido pelo falsum, por força do princípio da consunção.
Nesses termos, correta a alternativa “B”.
1 CUNHA, Rogério Sanches. CP para Concursos. Salvador: Juspodivm, 2010. p. 485
2 Idem. p. 489
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