Questão 03
(CESPE – DPE/MA – Defensor Público – 2011)
Assinale a opção correta, a respeito dos crimes contra a pessoa.
(A) Tratando-se de delito de infanticídio, dispensa-se a perícia médica caso se comprove que a mãe esteja sob a influência do estado puerperal, por haver presunção juris tantum de que a mulher, durante ou logo após o parto, aja sob a influência desse estado.
(B) Nas figuras típicas do aborto, as penas serão aumentadas de um terço, se, em consequência do delito, a gestante sofrer lesão corporal de natureza grave, independentemente de o resultado ser produzido dolosa ou culposamente, não havendo responsabilização específica pelas lesões.
(C) Em caso de morte da vítima, o delito de omissão de socorro não subsiste, cedendo lugar ao crime de homicídio, uma vez que a circunstância agravadora dessa figura típica omissiva se limita à ocorrência de lesões corporais de natureza grave.
(D) Segundo a jurisprudência do STJ, são absolutamente incompatíveis o dolo eventual e as qualificadoras do homicídio, não sendo, portanto, penalmente admissível que, por motivo torpe ou fútil, se assuma o risco de produzir o resultado.
(E) Caso o delito de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio seja praticado por motivo egoístico ou caso seja a vítima menor ou, ainda, por qualquer causa, seja sua capacidade de resistência eliminada ou diminuída, a pena será duplicada.
Gabarito: “A”
(Comentários – Jorge Farias)
Como a maioria das questões elaboradas pelo CESPE, exige-se profundo conhecimento jurisprudencial e doutrinário dos crimes contra a vida, além, evidentemente, do texto legal.
Passemos, pois, à análise das alternativas.
A - Tratando-se de delito de infanticídio, dispensa-se a perícia médica caso se comprove que a mãe esteja sob a influência do estado puerperal, por haver presunção juris tantum de que a mulher, durante ou logo após o parto, aja sob a influência desse estado. CORRETA.
Trata-se de entendimento consolidado há muitos anos na doutrina e na jurisprudência, de que é exemplificativo antigo aresto do TJPR:
“Infanticídio - ESTADO PUERPERAL - ARTIGO 123 DO CÓDIGO PENAL - AUSENTE O EXAME PERICIAL DO ESTADO PUERPERAL - DESNECESSIDADE - A FALTA DE EXAME MEDICO-PERICIAL DO ESTADO PUERPERAL DA INDICIADA NAO EIVA COM NULIDADE O PROCEDIMENTO CRIMINAL. A POSICAO DOUTRINARIA E A REITERADA ORIENTACAO JURISPRUDENCIAL MODERNA CONSIDERAM DESNECESSARIA A PERICIA MÉDICA PARA A CONSTATACAO DO ESTADO PUERPERAL DA DENUNCIADA PELO INFANTICIDIO POIS ESTE ESTADO E DECORRENCIA NORMAL E CORRIQUEIRA DE QUALQUER PARTO E CONDUZ A CONVINCENTE PRESUNCAO DO "DELICTUM EXCEPTUM". INOCORRENCIA DA NULIDADE PROCESSUAL EM FACE DA AUSENCIA DE EXAME MEDICO-PERICIAL DA SANIDADE MENTAL DA INDICIADA NAO ARTICULADO NO DECORRER DA INSTRUCAO E ALEGADO SOMENTE NA FASE RECURSAL - RECURSO CONHECIDO MAS IMPROVIDO. O SIMPLES REQUERIMENTO, NA FASE RECURSAL, DE EXAME MEDICO-PERICIAL DA INTEGRIDADE E SANIDADE MENTAL DA INDICIADA, SE DO CONTEXTO PROBATORIO DOS AUTOS NAO EMERGE SERIA E CONVINCENTE DUVIDA QUANTO A SUA PERFEITA SAÚDE MENTAL, NAO TEM LIAME LEGAL PARA NULIFICAR O PROCEDIMENTO CRIMINAL CONTRA ELA INSTAURADO. LEGISLACAO: CP - ART 123 . CPP - AR 411 . JURISPRUDENCIA: STF - 2 T, REL MIN CARLOS VELOSO, DJU 18/12/92, P 24379 . STJ - 5 T, REL MIN JESUS COSTA LIMA, DJU 25/10/93, P 22507 . RT 655/272. RT 527/394. RT 583/458. RT 607/364.”
(RC 936.321/PR, Rel. Des. Hirosê Zeni, DJ 24.09.1996)
B - Nas figuras típicas do aborto, as penas serão aumentadas de um terço, se, em consequência do delito, a gestante sofrer lesão corporal de natureza grave, independentemente de o resultado ser produzido dolosa ou culposamente, não havendo responsabilização específica pelas lesões. INCORRETA.
A alternativa apresenta ao menos dois equívocos.
Primeiramente, porque referida forma qualificada aplica-se às figuras típicas dos arts. 125 e 126 do CP. Ou seja, não se referem a qualquer das “figuras típicas do aborto”, na medida em que o art. 124 prevê o auto-aborto e, caso sobrevenha lesão corporal, não se pune a auto-lesão.
No mais, aplicável a lição de Rogério Sanches[1]:
“Em qualquer dos casos, faz-se presente a figura do preterdolo. Querendo (dolo direto) ou assumindo (dolo eventual) o resultado mais grave, o agente responderá pelos dois crimes (aborto e lesões corporais ou homicídio, conforme o caso) em concurso formal (art. 70 do CP).”
C - Em caso de morte da vítima, o delito de omissão de socorro não subsiste, cedendo lugar ao crime de homicídio, uma vez que a circunstância agravadora dessa figura típica omissiva se limita à ocorrência de lesões corporais de natureza grave. INCORRETA.
O equívoco da alternativa exsurge da mera leitura do art. 135 do CP, assim redigido:
“Omissão de socorro
Art. 135 - Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.”
Portanto, o resultado morte (parágrafo único) não descaracteriza o delito de omissão de socorro, mas resulta no triplo da pena prevista para a figura do caput.
D - Segundo a jurisprudência do STJ, são absolutamente incompatíveis o dolo eventual e as qualificadoras do homicídio, não sendo, portanto, penalmente admissível que, por motivo torpe ou fútil, se assuma o risco de produzir o resultado. INCORRETO.
A jurisprudência do STJ consolidou-se em sentido contrário. Vejamos:
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO. ALEGAÇÃO DE INCOMPATIBILIDADE ENTRE O DOLO EVENTUAL E AS QUALIFICADORAS DO HOMICÍDIO. PEDIDO DE RECONHECIMENTO DO HOMICÍDIO CULPOSO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. ORDEM DENEGADA.
1. Consta que o Paciente foi denunciado pela prática, em tese, de homicídio triplamente qualificado (motivo fútil, emprego de meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa da vítima), por duas vezes, em concurso formal, uma vez que "a denúncia sustenta que o
paciente praticou homicídio doloso, na modalidade de dolo eventual, ao assumir o risco de produzir o resultado, ao conduzir veículo automotor, qual seja, camionete Toyota Hilux, em alta velocidade, aproximadamente 134 km/h, em local cuja velocidade regulamentar é de 40 km/h", além do que "o paciente se encontrava em estado de embriaguez".
2. Quanto ao pedido de reconhecimento do crime de homicídio culposo, nos termos do art. 302 da Lei n.º 9.503/97, as instâncias ordinárias reconheceram a existência de dolo eventual, motivo pelo qual, nesse contexto, modificar tal entendimento implicaria a reavaliação do conjunto fático-probatório, inviável na estreita via do writ. Precedente.
3. Quanto ao pedido de exclusão das qualificadoras descritas na denúncia, sustenta a impetração a incompatibilidade entre o dolo eventual e as qualificadoras do homicídio. Todavia, o fato de o Paciente ter assumido o risco de produzir o resultado morte, aspecto caracterizador do dolo eventual, não exclui a possibilidade de o crime ter sido praticado por motivo fútil, uma vez que o dolo do agente, direto ou indireto, não se confunde com o motivo que ensejou a conduta, não se afigurando, em princípio, a apontada incompatibilidade. Precedente.
4. As qualificadoras só podem ser excluídas quando, de forma incontroversa, mostrarem-se absolutamente improcedentes, sem qualquer apoio nos autos - o que não se vislumbra in casu -, sob pena de invadir a competência constitucional do Tribunal do Júri.
Precedente.
5. Ordem denegada.” (HC 118.071/MT, Rel. Min. Laurita Vaz, Dje 01.02.2011)
E - Caso o delito de induzimento, instigação ou auxílio a suicídio seja praticado por motivo egoístico ou caso seja a vítima menor ou, ainda, por qualquer causa, seja sua capacidade de resistência eliminada ou diminuída, a pena será duplicada. INCORRETO.
A redação da alternativa contraria a literalidade do art. 122, parágrafo único, inciso II, do CP, que somente prevê a dobra da pena em caso de diminuição da resistência.
E isso porque, se eliminada a resistência da vítima, há crime de homicídio. A esse respeito, confira-se a lição de Rogério Sanches:
“Tratando-se de 'suicida' incapaz de entender o significado de sua ação e de determinar-se de acordo com esse entendimento, não há supressão voluntária e consciente da própria vida, ou seja, não há suicídio. Nesse caso, estaremos diante de uma delito de homicídio, em que a incapacidade da vítima assume papel de mero instrumento daquele que lhe provocou a morte.”
[1] CUNHA, Rogério Sanches. CP para Concursos. Salvador: Juspodivm, 2010. p. 260.
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