3) (OAB – 2010.3 – FGV)
Ricardo, buscando evitar um atropelamento, realiza uma manobra e atinge o muro de uma casa, causando um grave prejuízo.
Em relação à situação acima, é correto afirmar que Ricardo
(A) não responderá pela reparação do dano, pois agiu em estado de necessidade.
(B) responderá pela reparação do dano, apesar de ter agido em estado de necessidade.
(C) responderá pela reparação do dano, apesar de ter agido em legítima defesa.
(D) praticou um ato ilícito e deverá reparar o dano.
Gabarito: B
Comentários (Rafael Câmara)
Para o resolução da questão, mostra-se fundamental diferenciar legítima defesa do estado de necessidade.
Embora em diversas passagens haja a menção à legítima defesa, o Código Civil não a define. Para tanto, deve-se recorrer ao art. 25 do CP. Assim, de acordo com o Código Penal, a legítima defesa seria um direito do particular de repelir agressão injusta, atual ou iminente, contra direito seu ou de outrem, mediante recurso a medida de cunho defensivo.
Já o estado de necessidade é caracterizado pela prática de ato para salvar um direito próprio ou alheiro de perigo atual por quem não o provocou, nem podia de outro modo evitar, bem como não seria razoável exigir, pelas circunstâncias, o sacrifício do direito. Vejamos a redação do art. 24 do CP:
“Considera-se em estado de necessidade que pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se" .
O Código Civil trata do estado de necessidade de forma indireta no inciso II e no parágrafo único do art. 188, nos seguintes trechos: “deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente”; e em: “o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo”.
Em outra passagem, o Código Civil expressamente afirma que os atos praticados em legítima defesa ou em estado de necessidade são atos lícitos. Veja-se o que dispõe o art. 188 do CC:
Art. 188. Não constituem atos ilícitos:
I - os praticados em legítima defesa ou no exercício regular de um direito reconhecido;
II - a deterioração ou destruição da coisa alheia, ou a lesão a pessoa, a fim de remover perigo iminente.
Parágrafo único. No caso do inciso II, o ato será legítimo somente quando as circunstâncias o tornarem absolutamente necessário, não excedendo os limites do indispensável para a remoção do perigo.
Todavia, é de fundamental importância destacar que mesmo sendo atos lícitos, o agente causador do dano poderá ser chamado a responder civilmente. Em outras palavras: ainda que a pessoa tenha agido em estado de necessidade ou legítima defesa, poderá lhe ser exigida a obrigação de indenizar os danos causados.
Assim, se uma terceira pessoa for atingida injustamente por quem agiu em legítima defesa, o agente terá que reparar o dano causado ao inocente. Percebam que só haverá dever de indenizar se o dano for sofrido por um terceiro inocente. Logo, caso o agressor venha a sofrer o dano em razão de ato praticado pela vítima da agressão injusta, não haverá, por óbvio, dever de indenizar.
De igual forma acontece nos atos praticados em estado de necessidade. Isto é, se quem sofreu o dano foi a pessoa que provocou o estado de necessidade, o agente não terá que indenizá-la. Todavia, se o prejuízo foi suportado por terceiro que não provocou o estado de necessidade, o agente causador do dano deverá indenizar esse terceiro inocente.
Por fim, cumpre esclarecer que tanto aquele que agiu em estado de necessidade como o que agiu em legítima defesa terão direito à ação de regresso contra a pessoa que provocou a situação. Assim, se o agente teve que indenizar um terceiro por dano causado por um ato praticado em estado de necessidade ou em legítima defesa, poderá ele demandar de forma regressiva para reaver do responsável pela situação os valores da indenização. É exatamente isso que afirma o art. 930 do CC, verbis:
Art. 930. No caso do inciso II do art. 188, se o perigo ocorrer por culpa de terceiro, contra este terá o autor do dano ação regressiva para haver a importância que tiver ressarcido ao lesado.
Parágrafo único. A mesma ação competirá contra aquele em defesa de quem se causou o dano (art. 188, inciso I).
No caso da questão proposta, estamos diante de clara hipótese de estado de necessidade, em que houve dano causado a terceiro inocente. Assim, no caso proposto, o motorista, ainda que agindo em estado de necessidade, deverá indenizar pelo muro derrubado. Haverá, entretanto, a possibilidade desse motorista demandar de forma regressiva contra o transeunte, caso este (o transeunte) tenha provocado culposamente a situação.
De tudo o que foi exposto, é de fundamental importância que o candidato aprenda que:
se houver prejuízo a terceiro inocente, haverá dever de indenizar mesmo que o ato tenha sido praticado em estado de necessidade ou em legítima defesa.
Concluímos, pois, que o gabarito de questão é a letra “B”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário