domingo, 22 de abril de 2012


1) DELEGADO DE POLÍCIA MG/2011 – FUMARC – QUESTÃO 38 TIPO I.

Com relação à legislação especial, é INCORRETO afirmar que

 a) nos crimes contra a ordem tributária, o pagamento do tributo, antes do recebimento da denúncia, caracteriza causa extintiva de punibilidade.

 b) motorista de táxi que se distrai conversando com passageiro e atropela pedestre, causando-lhe lesões corporais e é induzido pelo acompanhante a deixar de prestar socorro à vítima, responde pelo crime de lesão corporal culposa, funcionando a omissão de socorro e a circunstância de estar no exercício da profissão como causas especiais de aumento de pena, conforme a Lei nº 9.503/97, respondendo o passageiro pelo crime de omissão de socorro, previsto no art. 135 do Código Penal.

 c) a Lei de Tortura prevê exceção, ao princípio da territorialidade, determinando a aplicação da lei brasileira a crimes ocorridos fora do território brasileiro, sempre que a vítima for brasileira.

 d) para o crime de tráfico ilícito de entorpecentes, a associação eventual constitui causa de aumento de pena, sendo a associação para o tráfico, prevista no art. 35 da Lei nº 11.343/2006, delito autônomo que demanda comprovação da estabilidade e permanência da societas sceleris.

GABARITO: D)

a) nos crimes contra a ordem tributária, o pagamento do tributo, antes do recebimento da denúncia, caracteriza causa extintiva de punibilidade. CERTA.
É longo o histórico legislativo em torno da extinção da punibilidade pelos crimes de sonegação fiscal (artigos 1º e 2º da Lei 8.137/90) em decorrência do pagamento ou do parcelamento dos débitos.
Acompanhamos, em síntese, o que descreve CAPEZ (Curso de Direito Penal – Vol. 4, 6ª Ed., São Paulo : Saraiva, 2011 – Pp. 682/685):
1) Originalmente a própria Lei 8.137/90 continha previsão no sentido da extinção da punibilidade pelo pagamento do tributo e acessórios antes do recebimento da denúncia penal (artigo 14) , dispositivo que foi suprimido pela Lei 8.383/91.
2) A lei 9.249/95 (art. 34) restaurou a extinção da punibilidade nos crimes contra a ordem tributária “quando o agente promover o pagamento do tributo ou contribuição social, inclusive acessórios,  antes do recebimento da denúncia”.
A dicção da Lei trouxe divergência nos tribunais superiores quanto a sua interpretação, notadamente quanto ao que poderia ser considerado “pagamento” para fins penais, se só a quitação integral dos débitos ou se o mero parcelamento bastaria, havendo, ainda segundo CAPEZ, quem entendesse que:
a)    Se o contribuinte assina contrato para saldar em parcelas o débito tributário, antes do recebimento da denúncia, tal fato deve ser considerado como pagamento para fins penais, levando à extinção da punibilidade, nos termos do art. 34 da Lei n. 9.249/95, uma vez que a Lei não distingue entre parcelamento, que é o pagamento fracionado, e pagamento integral imediato;
b)    O parcelamento não extingue a punibilidade, sendo necessária a plena quitação antes do recebimento da denúncia;
c)     O parcelamento suspende o recebimento da denúncia, ficando a extinção da punibilidade na dependência de sua quitação integral.
Pode-se afirmar com segurança que o primeiro dos entendimentos acima expostos é o que prevalecia, quer no âmbito do STF, quer no STJ, ou mesmo em sede doutrinária.
3) No ano 2000, a Lei nº 9.964/2000 (REFIS) repetiu a causa extintiva da punibilidade (art. 15), prevendo ainda a possibilidade de parcelamento do débito tributário, o qual ocasionaria a suspensão do processo e da prescrição penal. Aqui exigiu-se, contudo, que a concessão do parcelamento ocorresse antes do recebimento da denúncia criminal. A extinção da punibilidade só viria após a quitação integral do débito.
4) Finalmente, a Lei nº 10.684/2003 (PAES), notadamente por seu art. 9º, §2º, tornou toda essa discussão inócua. Confira-se o seu teor:
Art. 9º É suspensa a pretensão punitiva do Estado, referente aos crimes previstos nos arts. 1º e 2º da Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e nos arts. 168A e 337A do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 - Código Penal, durante o período em que a pessoa jurídica relacionada com o agente dos aludidos crimes estiver incluída no regime de parcelamento.
§ 1º A prescrição criminal não corre durante o período de suspensão da pretensão punitiva.
§ 2º Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos neste artigo quando a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos e contribuições sociais, inclusive acessórios.

Como se pode ver, a nova lei não trouxe qualquer exigência quanto a algum momento limítrofe até o qual o pagamento do débito tributário provoca a extinção da punibilidade.
O próprio Supremo Tribunal Federal albergou o entendimento de que não há mais o marco temporal do recebimento da denúncia para efeito de extinção da punibilidade. O pagamento, desde que integral, feito a qualquer tempo, provocará a extinção da punibilidade do crime de sonegação fiscal.
Já o parcelamento, no novo regime provoca a suspensão da processo e da prescrição da pretensão punitiva do Estado, e também pode ser obtido para qualquer hipótese de sonegação fiscal e em qualquer momento processual, mesmo após o recebimento da denúncia.
Como última informação relevante, CAPEZ destaca que a Procuradoria Geral da República ajuizou ADIn (nº 3002) contra o supratranscrito art. 9º dessa Lei 10.684, a qual teve, todavia, seu pedido liminar indeferido.
De qualquer forma, a alternativa que estamos julgando foi mais generosa, e não entrou em minúcias ao nível do que relatamos. Com efeito, em todos os regimes legais aqui descritos, exceto pelo período compreendido entre a revogação da previsão original da Lei 8.137/9 e a publicação da Lei 9.249/95,, o pagamento integral do débito tributário antes do recebimento da denúncia sempre provocou a extinção da punibilidade. Correta a assertiva.


b) motorista de táxi que se distrai conversando com passageiro e atropela pedestre, causando-lhe lesões corporais e é induzido pelo acompanhante a deixar de prestar socorro à vítima, responde pelo crime de lesão corporal culposa, funcionando a omissão de socorro e a circunstância de estar no exercício da profissão como causas especiais de aumento de pena, conforme a Lei nº 9.503/97, respondendo o passageiro pelo crime de omissão de socorro, previsto no art. 135 do Código Penal. CORRETA.
Analisando o caso descrito pela alternativa “B)”, podemos chegar à primeira conclusão, clara, de que o motorista do taxi comete o crime do art. 303 do CTB, lesão corporal culposa, haja vista que agiu com imprudência na condução do veículo.
Por sua vez, a omissão de socorro e a circunstância de ser ele um motorista profissional atuam, sim, como causas especiais de aumento de pena, por força de expressa disposição legal do art. 303, parágrafo único, incisos III e IV.
O aumento de pena do inciso IV não deve ser confundido com a agravante genérica prevista no art. 298 do CTB. Como se sabe, havendo conflito aparente de normas entre causas de aumento ou diminuição de pena especiais, e agravantes ou atenuantes genéricas, incidem aquelas com preferência a estas, tendo em vista o critério da especialidade.
Finalmente, quanto à conduta do passageiro, tem-se, pela teoria monista (adotada, com poucas exceções pelo nosso Código Penal) que os agentes, co-autores ou partícipes, devem responder por um só crime, com a mesma capitulação legal. Resta averiguar se houve participação do passageiro no crime do motorista. E, na verdade, verificamos que não. De fato, o passageiro não concorre para a ocorrência do crime de lesão corporal, senão somente em um segundo momento, quando da omissão de socorro.
Para o motorista, a omissão de socorro funcionou como causa de aumento de pena no crime de lesão corporal culposa, não respondendo ele, portanto, sob pena de violação ao princípio do ne bis in idem, por crime autônomo em relação a essa conduta.
Mas o passageiro, esse sim deverá responder por crime autônomo. Falta capitulá-lo. Analisando o tipo previsto no art. 304 do Código de Trânsito Brasileiro (“Omissão de Socorro”) percebemos que o sujeito ativo desse crime só pode ser o condutor do veículo, nunca o passageiro. Não incidindo a norma especial, caímos, então, no tipo genérico do art. 135 do Código Penal.
Correta a assertiva.

c) a Lei de Tortura prevê exceção, ao princípio da territorialidade, determinando a aplicação da lei brasileira a crimes ocorridos fora do território brasileiro, sempre que a vítima for brasileira. CORRETA.
A alternativa em análise refere-se ao art. 2º da Lei nº 9.455/97 (que “define os crimes de tortura e dá outras providências). Segundo o dispositivo, “o disposto nesta Lei aplica-se ainda quando o crime não tenha sido cometido em território nacional, sendo a vítima brasileira ou encontrando-se o agente em local sob jurisdição brasileira”.
 Segundo CAPEZ, “O princípio da extraterritorialidade consiste na aplicação da lei brasileira aos crimes praticados fora do Brasil” (2011, p. 749). O referido art. 2º encarta duas hipóteses de extraterritorialidade. A primeira, quando, apesar de ocorrido no exterior, o crime de tortura tenha por vítima um nacional brasileiro. Trata-se de extraterritorialidade incondicionada, já que a lei brasileira é aplicável independentemente de quaisquer condições.
A segunda hipótese é quando o agente encontrar-se em local sob a jurisdição brasileira. Trata-se do princípio da jurisdição universal, ou cosmopolita, pelo qual qualquer país terá o direito de julgar um criminoso, seja qual for a sua nacionalidade, desde que esteja dentro do seu território. Trata-se, portanto, de hipótese de extraterritorialidade condicionada, justamente à entrada do agente no território nacional.
Assertiva também correta, portanto.


d) para o crime de tráfico ilícito de entorpecentes, a associação eventual constitui causa de aumento de pena, sendo a associação para o tráfico, prevista no art. 35 da Lei nº 11.343/2006, delito autônomo que demanda comprovação da estabilidade e permanência da societas sceleris. ERRADA.
Chegamos, finalmente, ao foco deste simulado: os crimes de drogas. A Lei nº 11.343/06 trouxe inúmeras mudanças no sistema de repressão ao consumo e comércio ilícitos de entorpecentes. Ela revogou expressamente as duas leis então vigentes no trato dessa matéria, a de nº 6.368/76 e a 10.409/02.
Na alternativa em exame, o examinador cobrou do candidato sua ciência acerca do tratamento dado às diversas formas de concurso de pessoas nas condutas associadas aos crimes de drogas.
A nova lei prevê, em seu art. 35, o crime autônomo de “associarem-se duas ou mais pessoas para o fim de praticar, reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e §1º, e 34 desta Lei”.
Em face da expressão legal “reiteradamente ou não”, indaga-se da exigência ou não, para caracterização do tipo previsto no art. 35 da Lei 11.343/06, dos requisitos de permanência e estabilidade no ajuste prévio para o cometimento dos crimes a que se destina a associação criminosa, tal como exige o crime de formação de bando ou quadrilha (art. 288 do CP).
De início, encontramos em CAPEZ a notícia de que o tipo especial da Lei de Drogas não faria exigência de estabilidade da associação para o tráfico. O concurso eventual de agentes, ainda que para a prática de um só crime de tráfico, já consubstanciaria associação para o tráfico, formando-se concurso material de delitos.
CAPEZ alerta, porém, à distinção que existiria na própria jurisprudência do STF, entre o concurso “ocasional” de agentes e o concurso “eventual” que aparece tipificado como associação para o tráfico. Assim, “o fato de duas pessoas, ocasionalmente, encontrarem-se na porta de um colégio e decidirem, naquele mesmo instante, induzir um estudante a consumir entorpecente não constitui associação criminosa, pois se trata de mera reunião casual, sem qualquer estrutura, ajuste prévio ou estabilidade que possa indicar a permanência de uma associação” (2011, p. 800).
Fizemos nós mesmos uma pesquisa de jurisprudência nas páginas dos tribunais superiores, e encontramos terminologia um pouco distinta da preconizada pelo autor. De fato, a 5ª Turma do STJ tem farta gama de julgados no sentido de que “para a caracterização do crime de associação para o tráfico, é imprescindível o dolo de se associar com estabilidade e permanência, sendo que a reunião ocasional de duas ou mais pessoas não se subsume ao tipo do artigo 35 da Lei 11.343/2006. Doutrina. Precedentes”.
Encontra-se, outrossim, jurisprudência interessantíssima que é a chave para a resolução desta questão: “a causa especial de associação eventual para o tráfico (inciso III do artigo 18 da revogada Lei 6.368/1976) não se confunde com o delito de associação (artigos 14 da Lei 6.368/1976 e 35 da Lei 11.343/2006), o qual demanda a permanência e estabilidade entre os agentes, a fim de formarem uma verdadeira societas sceleris. Precedentes” HC 97.328, Sexta Turma, Rel. Min. Jane Silva, DJ 01/09/2008.
De fato, analisando a nova Lei de Drogas, observamos que nela não há causa de aumento de pena prevista para o concurso eventual de pessoas, tal como existia na Lei 6.368/76. Assim, caso não se possa configurar o crime do art. 35 da Lei 11.343/06, a prática do tráfico de entorpecentes em concurso de pessoas ocasionará, para o agente, mera agravante genérica do art. 62 do Código Penal.
Errada, portanto, a assertiva.

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