Questão 4
(FCC –
Procurador – TCE/RO – 2010)
Em
demandas judiciais brasileiras, a reserva do possível é alegada pela
Administração Pública como uma limitação para a efetivação de direitos fundamentais
de ordem social. Este conceito, todavia, é interpretado, na atual
jurisprudência do STF com o seguinte sentido:
(A) A
efetivação de direitos sociais está condicionada ao rol de direitos
fundamentais de natureza prestacional que uma determinada Constituição positiva
em dado momento histórico; assim, pretensões sociais que não estão previstas no
texto constitucional não podem ser judicialmente cobradas do Estado.
(B)
Normas constitucionais que preveem direitos sociais dependem de complementação
legislativa para produzir efeitos e, pelo fato de o Poder Judiciário não estar
legitimado a obrigar o Poder Legislativo a elaborar a norma, resta à
Administração Pública implementar políticas sociais no limite da
disponibilidade normativa já positivada.
(C) Em
Estados que adotam o federalismo, como é o caso do Brasil, as políticas
públicas na área social dependem de ações promovidas pela União em conjunto com
as demais unidades federadas; assim, se não houver a participação de um
determinado Estado-Membro ou Município na execução da política pública, a
demanda por direitos sociais não será plenamente atendida.
(D)
Apesar de muitos direitos sociais estarem positivados na Constituição, a falta
de recursos orçamentários para a prestação de políticas públicas nesta área é
uma barreira intransponível que impede a efetivação das normas constitucionais.
(E) A
falta de recursos orçamentários para a execução de direitos sociais previstos
no texto constitucional é um óbice, mas não pode ser um limite que nulifique o
atendimento dessa demanda, já que as normas constitucionais consubstanciam
direitos exigíveis e não simplesmente promessas dependentes do alvedrio do
administrador.
Gabarito: E
Comentários (Daniel Mesquita)
Alternativa A – Incorreta. O rol
dos direitos sociais contidos na Constituição não é exaustivo, de modo que
mesmo não previsto expressamente no texto constitucional, determinado direito
poderá vir a ser cobrado judicialmente do Estado, desde que visem à melhoria de
sua condição social, nos termos do previsto no caput do art. 7º. da CF/88:
Art. 7º São direitos
dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de
sua condição social:
Alternativa
B – Incorreta. Não
necessariamente as normas que preveem os direitos sociais necessitarão de
complementação, eis que não podemos classificá-las, de forma generalizada, como
de eficácia limitada, sendo que muitas delas possuirão eficácia plena, com
aplicabilidade imediata, independentemente de complementação legislativa, ou
até mesmo de eficácia contida, cuja aplicabilidade também é imediata.
Sobre o tema, é interessante
relembrar as palavras de Pedro Lenza trazidas no simulado 14_2012, no intuito
de explicar o significado da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais
prevista no art. 5º., §1º., da CF/88:
“(...)as normas constitucionais são dotadas de todos os meios e
elementos necessários à sua pronta incidência aos fatos, situações, condutas ou
comportamentos que elas regulam. A regra é que as normas definidoras de
direitos e garantias individuais (direitos de 1ª dimensão, acrescente-se) sejam
de aplicabilidade imediata. Mas aquelas definidoras de direitos sociais,
culturais e econômicos (direitos de 2ª dimensão, acrescente-se) nem sempre o
são, porque não raro dependem de providências ulteriores que lhes completem a
eficácia e possibilitem sua aplicação.
Assim, por regra, as normas que consubstanciam os direitos
fundamentais democráticos e individuais são de aplicabilidade imediata,
enquanto as que definem os direitos sociais tendem a sê-lo também na
Constituição vigente, mas algumas, especialmente as que mencionam uma lei
integradora, são de eficácia limitada e aplicabilidade indireta.”[1]
Alternativa
C – Incorreta. Não
necessariamente. Nem todas as políticas públicas precisam passar pelo crivo de
todos os entes federados. Algumas serão de interesse nacional, outras de
interesse regional e outras, apenas local. Certamente, quando necessário, a
participação conjunta dos entes federativos será necessária e salutar,
especialmente por adotarmos o federalismo de cooperação, mas nem sempre será
uma exigência sem a qual a política pública não poderá ser executada.
Alternativa
D – Incorreta.
Alternativa
E – Correta. As
alternativas “D” e “E” merecem ser comentadas conjuntamente. Tratamos aqui de
terma abordado no simulado n. 14_2012 sobre a teoria da reserva do possível.
Peço vênia para transcrever o que foi explicado naquela ocasião:
“A grosso modo, a reserva do possível busca explicar como ocorre a compatibilização entre o efetivo exercício do direito social pelo cidadão com a possibilidade financeira de o Estado garantir o cumprimento da prestação pleiteada.
Dirley da Cunha Júnior aponta que a teoria surgiu na Alemanha e traz elucidativa explicação:
“A doutrina germânica e a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão (Bundesverfassungsgericht) entendem que o reconhecimento dos direitos sociais depende da disponibilidade dos respectivos recursos públicos necessários para a satisfação das prestações materiais que constituem seu objeto (saúde, educação, assistência, etc.). Para além disso, asseguram que a decisão sobre a disponibilidade desses recursos insere-se no espaço discricionário das opções do governo e do parlamento, através da composição dos orçamentos públicos.
Canotilho chama esse limite de reserva do possível (Vorberhault de Möglichen, para o Tribunal Constitucional Federal Alemão) para significar que a efetivação dos direitos sociais depende da disponibilidade dos recursos econômicos. A doutrina nacional, lamentavelmente e não sem equívoco, vem acolhendo comodamente essa criação do direito estrangeiro, aceitando-a indiscriminadamente como obstáculo à efetividade dos direitos sociais”.[2]
Nesse
sentido, a teoria da reserva do possível não pode ser desvirtuada para cobrir o
arbítrio do administrador, pois os direitos sociais previstos na CF/88 são
exigíveis pelos jurisdicionados e não apenas meras promessas políticas, como
bem firmado no julgamento da ADPF 45 MC/DF (julgado fundamental para a
compreensão do tema):
“EMENTA: Arguição de descumprimento de preceito fundamental. A questão
da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do Poder Judiciário
em tema de implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de
abusividade governamental. Dimensão política da jurisdição constitucional
atribuída ao Supremo Tribunal Federal. Inopobilidade do arbítrio estatal à
efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais. Caráter relativo da
liberdade de conformação do legislador. Considerações em torno da cláusula da
‘reserva do possível’. Necessidade de preservação, em favor dos indivíduos, da
integridade e da intangibilidade do núcleo consubstanciador do ‘mínimo
existencial’. Viabilidade instrumental da argüição de descumprimento no
processo de concretização das liberdades positivas (direitos constitucionais de
segunda geração).”
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