terça-feira, 29 de maio de 2012

Simulado 18_2012 - Constitucional - Questão 4 - Comentários


Questão 4
(FCC – Procurador – TCE/RO – 2010)
Em demandas judiciais brasileiras, a reserva do possível é alegada pela Administração Pública como uma limitação para a efetivação de direitos fundamentais de ordem social. Este conceito, todavia, é interpretado, na atual jurisprudência do STF com o seguinte sentido:
(A) A efetivação de direitos sociais está condicionada ao rol de direitos fundamentais de natureza prestacional que uma determinada Constituição positiva em dado momento histórico; assim, pretensões sociais que não estão previstas no texto constitucional não podem ser judicialmente cobradas do Estado. 
(B) Normas constitucionais que preveem direitos sociais dependem de complementação legislativa para produzir efeitos e, pelo fato de o Poder Judiciário não estar legitimado a obrigar o Poder Legislativo a elaborar a norma, resta à Administração Pública implementar políticas sociais no limite da disponibilidade normativa já positivada.
(C) Em Estados que adotam o federalismo, como é o caso do Brasil, as políticas públicas na área social dependem de ações promovidas pela União em conjunto com as demais unidades federadas; assim, se não houver a participação de um determinado Estado-Membro ou Município na execução da política pública, a demanda por direitos sociais não será plenamente atendida.
(D) Apesar de muitos direitos sociais estarem positivados na Constituição, a falta de recursos orçamentários para a prestação de políticas públicas nesta área é uma barreira intransponível que impede a efetivação das normas constitucionais.
(E) A falta de recursos orçamentários para a execução de direitos sociais previstos no texto constitucional é um óbice, mas não pode ser um limite que nulifique o atendimento dessa demanda, já que as normas constitucionais consubstanciam direitos exigíveis e não simplesmente promessas dependentes do alvedrio do administrador.

Gabarito: E
Comentários (Daniel Mesquita)

Alternativa A – Incorreta. O rol dos direitos sociais contidos na Constituição não é exaustivo, de modo que mesmo não previsto expressamente no texto constitucional, determinado direito poderá vir a ser cobrado judicialmente do Estado, desde que visem à melhoria de sua condição social, nos termos do previsto no caput do art. 7º. da CF/88:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

Alternativa B – Incorreta. Não necessariamente as normas que preveem os direitos sociais necessitarão de complementação, eis que não podemos classificá-las, de forma generalizada, como de eficácia limitada, sendo que muitas delas possuirão eficácia plena, com aplicabilidade imediata, independentemente de complementação legislativa, ou até mesmo de eficácia contida, cuja aplicabilidade também é imediata.
Sobre o tema, é interessante relembrar as palavras de Pedro Lenza trazidas no simulado 14_2012, no intuito de explicar o significado da aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais prevista no art. 5º., §1º., da CF/88:

“(...)as normas constitucionais são dotadas de todos os meios e elementos necessários à sua pronta incidência aos fatos, situações, condutas ou comportamentos que elas regulam. A regra é que as normas definidoras de direitos e garantias individuais (direitos de 1ª dimensão, acrescente-se) sejam de aplicabilidade imediata. Mas aquelas definidoras de direitos sociais, culturais e econômicos (direitos de 2ª dimensão, acrescente-se) nem sempre o são, porque não raro dependem de providências ulteriores que lhes completem a eficácia e possibilitem sua aplicação.
Assim, por regra, as normas que consubstanciam os direitos fundamentais democráticos e individuais são de aplicabilidade imediata, enquanto as que definem os direitos sociais tendem a sê-lo também na Constituição vigente, mas algumas, especialmente as que mencionam uma lei integradora, são de eficácia limitada e aplicabilidade indireta.”[1]

Alternativa C – Incorreta. Não necessariamente. Nem todas as políticas públicas precisam passar pelo crivo de todos os entes federados. Algumas serão de interesse nacional, outras de interesse regional e outras, apenas local. Certamente, quando necessário, a participação conjunta dos entes federativos será necessária e salutar, especialmente por adotarmos o federalismo de cooperação, mas nem sempre será uma exigência sem a qual a política pública não poderá ser executada.
Alternativa D – Incorreta.
Alternativa E – Correta. As alternativas “D” e “E” merecem ser comentadas conjuntamente. Tratamos aqui de terma abordado no simulado n. 14_2012 sobre a teoria da reserva do possível. Peço vênia para transcrever o que foi explicado naquela ocasião:

“A grosso modo, a reserva do possível busca explicar como ocorre a compatibilização entre o efetivo exercício do direito social pelo cidadão com a possibilidade financeira de o Estado garantir o cumprimento da prestação pleiteada.
Dirley da Cunha Júnior aponta que a teoria surgiu na Alemanha e traz elucidativa explicação:
A doutrina germânica e a jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal Alemão (Bundesverfassungsgericht) entendem que o reconhecimento dos direitos sociais depende da disponibilidade dos respectivos recursos públicos necessários para a satisfação das prestações materiais que constituem seu objeto (saúde, educação, assistência, etc.). Para além disso, asseguram que a decisão sobre a disponibilidade desses recursos insere-se no espaço discricionário das opções do governo e do parlamento, através da composição dos orçamentos públicos.
Canotilho chama esse limite de reserva do possível (Vorberhault de Möglichen, para o Tribunal Constitucional Federal Alemão) para significar que a efetivação dos direitos sociais depende da disponibilidade dos recursos econômicos. A doutrina nacional, lamentavelmente e não sem equívoco, vem acolhendo comodamente essa criação do direito estrangeiro, aceitando-a indiscriminadamente como obstáculo à efetividade dos direitos sociais.[2]

Nesse sentido, a teoria da reserva do possível não pode ser desvirtuada para cobrir o arbítrio do administrador, pois os direitos sociais previstos na CF/88 são exigíveis pelos jurisdicionados e não apenas meras promessas políticas, como bem firmado no julgamento da ADPF 45 MC/DF (julgado fundamental para a compreensão do tema):

“EMENTA: Arguição de descumprimento de preceito fundamental. A questão da legitimidade constitucional do controle e da intervenção do Poder Judiciário em tema de implementação de políticas públicas, quando configurada hipótese de abusividade governamental. Dimensão política da jurisdição constitucional atribuída ao Supremo Tribunal Federal. Inopobilidade do arbítrio estatal à efetivação dos direitos sociais, econômicos e culturais. Caráter relativo da liberdade de conformação do legislador. Considerações em torno da cláusula da ‘reserva do possível’. Necessidade de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo consubstanciador do ‘mínimo existencial’. Viabilidade instrumental da argüição de descumprimento no processo de concretização das liberdades positivas (direitos constitucionais de segunda geração).”




[1]              LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 16ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2012.
[2]CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Constitucional. 4ª edição. Salvador: Editora Juspodivm, 2010.

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