sábado, 5 de maio de 2012

Simulado 14/2012 - Direito Administrativo - Questão 2 - Comentários


2) (FGV – Exame de Ordem – 2010.3) O prefeito de um determinado município resolve, por decreto municipal, alterar unilateralmente as vias de transporte de ônibus municipais, modificando o que estava previsto nos contratos de concessão pública de transportes municipais válidos por vinte anos. O objetivo do prefeito foi favorecer duas empresas concessionárias específicas, com que mantém ligações políticas e familiares, ao lhes conceder os trajetos e linhas mais rentáveis. As demais três empresas concessionárias que também exploram os serviços de transporte de ônibus no município por meio de contratos de concessão sentem-se prejudicadas.
Na qualidade de advogado dessas últimas três empresas, qual deve ser a providência tomada?
(A) Ingressar com ação judicial, com pedido de liminar para que o Poder Judiciário exerça o controle do ato administrativo expedido pelo prefeito e decrete a sua nulidade ou suspensão imediata, já que eivado de vício e nulidade, por configurar ato fraudulento e atentatório aos princípios que regem a Administração Pública.
(B) Ingressar com ação judicial, com pedido de indenização em face do Município pelos prejuízos de ordem financeira causados.
(C) Nenhuma medida merece ser tomada na hipótese, tendo em vista que um dos poderes conferidos à Administração Pública nos contratos de concessão é a modificação unilateral das suas cláusulas.
(D) Ingressar com ação judicial, com pedido para que os benefícios concedidos às duas primeiras empresas também sejam extensivos às três empresas clientes.

Gabarito: A
COMENTÁRIOS (Rafael de Jesus)

Diante do enunciado, é imediata a constatação de que o prefeito agiu com desvio de finalidade, porquanto alterou contratos de concessão de transporte público com o objetivo de favorecer duas concessionárias específicas. Assim, o interesse privado foi privilegiado em detrimento do interesse público, o que configura desvio de poder, pois o prefeito buscou uma finalidade alheia ao interesse público. Na lição do prof. Celso Antônio Bandeira de Mello, “pode-se dizer que ocorre desvio de poder quando um agente exerce uma competência que possuía (em abstrato) para alcançar uma finalidade diversa daquela em função da qual lhe foi atribuída a competência exercida”[1]. Pontue-se ainda que o desvio de poder não é vício restrito aos atos administrativos, podendo ocorrer por ocasião da edição de leis ou também no desempenho de atividades jurisdicionais.
O vício de finalidade reveste-se de extrema gravidade e implica na nulidade do ato.
Feitas tais considerações, cumpre analisar as opções ao advogado da empresa elencadas pelas alternativas.
A ação judiciária com pedido indenizatório, tal como aponta o item b, seria uma media posterior, incapaz de solucionar o problema de imediato. Ademais, há sérias dúvidas sobre a legitimidade do Município em figurar no pólo passivo da ação, pois os interesses do ente público foram diretamente afetados pelo ato viciado do prefeito. A rigor, isso resultaria em dupla punição ao Município, de modo que eventual pedido indenizatório deveria ser dirigido em desfavor do prefeito.
O item c dispensa maiores comentários, pois a prerrogativa de alteração unilateral dos contratos conferida à Administração Pública pressupõe que qualquer alteração ocorra de modo legítimo, sem vícios de finalidade.
O item d, por sua vez, não extirparia o ato nulo do mundo jurídico. Ao contrário, implicaria em sua subsistência e multiplicação, porquanto se pleitearia que outro ato viciado fosse praticado para favorecer interesses particulares. A bem da verdade, esse pedido afigura-se juridicamente impossível e levaria à extinção da ação sem resolução do mérito, com base no art. 267, VI, do CPC.
Assim, resta apenas o item a, que traz os pedidos mais adequados e plausíveis a serem formulados na espécie, porquanto se extirparia de imediato os efeitos do ato mediante a concessão da medida cautelar de suspensão dos seus efeitos, e posteriormente o ato seria anulado – pedido principal.


[1] MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22ª ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 389.

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