2) (FGV – Exame de Ordem – 2010.3) O prefeito
de um determinado município resolve, por decreto municipal, alterar
unilateralmente as vias de transporte de ônibus municipais, modificando o que
estava previsto nos contratos de concessão pública de transportes municipais válidos
por vinte anos. O objetivo do prefeito foi favorecer duas empresas
concessionárias específicas, com que mantém ligações políticas e familiares, ao
lhes conceder os trajetos e linhas mais rentáveis. As demais três empresas concessionárias
que também exploram os serviços de transporte de ônibus no município por meio
de contratos de concessão sentem-se prejudicadas.
Na qualidade de advogado dessas últimas três empresas, qual deve ser a
providência tomada?
(A) Ingressar com ação judicial, com pedido de liminar para que o Poder
Judiciário exerça o controle do ato administrativo expedido pelo prefeito e
decrete a sua nulidade ou suspensão imediata, já que eivado de vício e
nulidade, por configurar ato fraudulento e atentatório aos princípios que regem
a Administração Pública.
(B) Ingressar com ação judicial, com pedido de indenização em face do
Município pelos prejuízos de ordem financeira causados.
(C) Nenhuma medida merece ser tomada na hipótese, tendo em vista que um
dos poderes conferidos à Administração Pública nos contratos de concessão é a modificação
unilateral das suas cláusulas.
(D) Ingressar com ação judicial, com pedido para que os benefícios
concedidos às duas primeiras empresas também sejam extensivos às três empresas
clientes.
Gabarito: A
COMENTÁRIOS (Rafael de Jesus)
Diante do enunciado, é imediata a constatação
de que o prefeito agiu com desvio de finalidade, porquanto alterou contratos de
concessão de transporte público com o objetivo de favorecer duas
concessionárias específicas. Assim, o interesse privado foi privilegiado em
detrimento do interesse público, o que configura desvio de poder, pois o
prefeito buscou uma finalidade alheia ao interesse público. Na lição do prof.
Celso Antônio Bandeira de Mello, “pode-se dizer que ocorre desvio de poder
quando um agente exerce uma competência que possuía (em abstrato) para alcançar
uma finalidade diversa daquela em função da qual lhe foi atribuída a
competência exercida”[1].
Pontue-se ainda que o desvio de poder não é vício restrito aos atos
administrativos, podendo ocorrer por ocasião da edição de leis ou também no
desempenho de atividades jurisdicionais.
O vício de finalidade reveste-se de extrema
gravidade e implica na nulidade do ato.
Feitas tais considerações, cumpre analisar as
opções ao advogado da empresa elencadas pelas alternativas.
A ação judiciária com pedido indenizatório,
tal como aponta o item b, seria uma
media posterior, incapaz de solucionar o problema de imediato. Ademais, há
sérias dúvidas sobre a legitimidade do Município em figurar no pólo passivo da
ação, pois os interesses do ente público foram diretamente afetados pelo ato
viciado do prefeito. A rigor, isso resultaria em dupla punição ao Município, de
modo que eventual pedido indenizatório deveria ser dirigido em desfavor do
prefeito.
O item c
dispensa maiores comentários, pois a prerrogativa de alteração unilateral dos
contratos conferida à Administração Pública pressupõe que qualquer alteração
ocorra de modo legítimo, sem vícios de finalidade.
O item d,
por sua vez, não extirparia o ato nulo do mundo jurídico. Ao contrário,
implicaria em sua subsistência e multiplicação, porquanto se pleitearia que
outro ato viciado fosse praticado para favorecer interesses particulares. A bem
da verdade, esse pedido afigura-se juridicamente impossível e levaria à
extinção da ação sem resolução do mérito, com base no art. 267, VI, do CPC.
Assim, resta apenas o item a, que traz os pedidos mais adequados e
plausíveis a serem formulados na espécie, porquanto se extirparia de imediato
os efeitos do ato mediante a concessão da medida cautelar de suspensão dos
seus efeitos, e posteriormente o ato seria anulado – pedido principal.
[1]
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 22ª
ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 389.
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