domingo, 18 de dezembro de 2011

Simulado 6_2011 - Processo Penal - Questão 4 - Comentários

Questão 04

(FCC – TRE/RN – Analista Judiciário/Área Judiciária – 2011) O habeas corpus não

(A) poderá ser impetrado por uma pessoa em favor de outrem.

(B) poderá ser impetrado em defesa da sociedade, para rever decisão injusta.

(C) poderá ser impetrado pelo Ministério Público.

(D) comporta pedido de liminar.

(E) poderá ser impetrado preventivamente


Gabarito: B


(Comentários – Jorge Farias)


Como visto, a questão apresenta mais um caso de desapego à mera literalidade da lei, para exigir do candidato conhecimentos doutrinários e jurisprudenciais do instituto do habeas corpus.

Trata-se de remédio constitucional com assento no art. 5º, inciso LXVIII, dispositivo que preceitua “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”.

Da análise da previsão constitucional, constata-se que o objeto do habeas corpus é a tutela da liberdade de locomoção, também referida pela doutrina e pela jurisprudência como liberdade ambulatória ou simplesmente como liberdade de ir e vir

Portanto, é inadmissível o habeas corpus, por exemplo, nos casos em que se busca eximir o paciente do pagamento de custas processuais (Súmula 395-STF) em que se impugna a dosimetria da pena de multa (Súmula 693-STF), justamente por ausência de atentado contra a liberdade de locomoção.

No plano infraconstitucional, o habeas corpus encontra-se regulado pelo art. 647 e seguintes, do Código de Processo Penal.

Feitas essas breves considerações introdutórias, passa-se à análise das alternativas propostas pelo examinador.


A – (O habeas corpus não) poderá ser impetrado por uma pessoa em favor de outrem. FALSO.

Consoante disposição expressa do art. 645 do CPP, o habeas corpus pode ser impetrado por qualquer pessoa, independentemente de habilitação ou representação de advogado. O analfabeto também pode impetrar, desde que alguém assine a seu rogo (art. 654, § 1º, “c”). Também pode ser impetrado por pessoa jurídica, em favor de pessoa física. Embora o juiz não possa impetrar, em face da inércia da jurisdição, pode concedê-lo de ofício. O delegado de polícia pode, não como autoridade, mas sim como cidadão.


B – (o habeas corpus não) poderá ser impetrado em defesa da sociedade, para rever decisão injusta. VERDADEIRO

Aparentemente, a alternativa exigiu do candidato o conhecimento acerca da natureza jurídica do habeas corpus, bem como de sua finalidade, de modo a harmonizar tais conteúdos com as possíveis utilizações do writ, a exemplo da impetração como substitutivo de revisão criminal.

Inicialmente, destaca-se que o HC, previsto no rol de direitos e garantias individuais do art. 5º, da CF, tem sua origem mais remota no direito romano, e mais imediata no direito inglês, havendo quem associe à Magna Carta (1215) ou, de forma mais pacífica, ao Habeas Corpus Act de 1679, incorporado à Constituição Americana de 1787.

Desse modo, nota-se que o HC consiste em direito ou garantia integrante da primeira geração de direitos fundamentais, caracterizada por uma atuação negativa do estado, ou seja, destina-se precipuamente à proteção do indivíduo contra a ação punitiva estatal, eventualmente viciada por ilegalidade ou abuso de poder tendentes à violação da liberdade de locomoção.

Portanto, eventual utilização do habeas corpus para rever decisão injusta, em defesa da sociedade, não parece se harmonizar com a finalidade do HC acima exposta. Desse modo, ainda quando utilizado como substitutivo de revisão criminal, não caberia a impetração do writ nessa hipótese, na medida em que aquela ação penal rescisória também “só pode ser ajuizada em benefício do réu, não havendo que se falar em revisão criminal pro societate1.

Nesses termos, ao afirmar que o HC não poderá ser impetrado em defesa da sociedade, para rever decisão injusta, a alternativa revela-se VERDADEIRA.


C – (O habeas corpus não) poderá ser impetrado pelo Ministério Público. FALSO.

O habeas corpus pode ser impetrado pelo Ministério Público, nos termos do art. 654, caput, in fine, do Código de Processo Penal e do art. 32, I, da Lei 8.625/93. Tal legitimidade, ademais, decorre da própria missão institucional de fiscal da lei, de modo que ao constatar ilegalidade consistente em abuso de poder atentatório à liberdade de locomoção, pode (e deve) o Ministério Público impetrar habeas corpus.


D – (O habeas corpus não) comporta pedido de liminar. FALSO.

É perfeitamente possível a formulação de pedido liminar em sede de habeas corpus, se os documentos que instruírem a petição evidenciarem a ilegalidade da coação, consoante se infere, dentre outras hipóteses, do art. 660, § 2º, do CPP:

Art. 660. Efetuadas as diligências, e interrogado o paciente, o juiz decidirá, fundamentadamente, dentro de 24 (vinte e quatro) horas.

(...)

§ 2o Se os documentos que instruírem a petição evidenciarem a ilegalidade da coação, o juiz ou o tribunal ordenará que cesse imediatamente o constrangimento.

Outro possível fundamento para o cabimento da liminar em HC nos é trazido por Fernando Capez:

De natureza cautelar é a concessão da liminar do habeas corpus que, embora não expressamente autorizada pela lei, se esboça em doutrina, na esteira da concessão in limine do mandado de segurança”2.

Portanto, FALSA a afirmativa.


E – (O habeas corpus não) poderá ser impetrado preventivamente. FALSO.

Da redação seja da Constituição Federal, seja do Código de Processo Penal, no sentido de que “conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção”, a doutrina tradicionalmente aponta duas espécies ou modalidades de HC, quais sejam:

  1. repressivo ou liberatório – destinado a afastar constrangimento ilegal já efetivado à liberdade de locomoção;

  2. preventivo – destinado a afastar uma ameaça à liberdade de locomoção, caso em que se expede o chamado salvo-conduto.

Portanto, uma vez aceito que o HC seja impetrado preventivamente, FALSA a alternativa.

1TÁVORA, Nestor. CPP para Concursos. Salvador: Editora JusPodivm, 2010. p. 662.

2CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2007. 14. Ed. p. 529.

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