domingo, 18 de dezembro de 2011

Simulado 6_2011 - Processo Penal - Questão 2 - Comentários

Questão 02

(FCC – MP/CE – Promotor de Justiça – 2011) A circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias, no âmbito do processo penal,

(A) serve como elemento formador de convicção do Promotor de Justiça em matéria de Tribunal do Júri.

(B) tem expressa disposição no Título II do Código de Processo Penal que trata do inquérito policial e a prevê como consideração à autoridade policial no âmbito meramente investigativo.

(C) não tem qualquer valor legal por vedar a Constituição Federal qualquer espécie de presunção por ofensa ao princípio do contraditório.

(D) considera-se indício e é um dos meios de prova.

(E) é expressão legal do princípio acusatório no processo penal.


Gabarito: D.


(Comentários – Jorge Farias)


Como visto, a questão foge à tradição da Fundação Carlos Chagas, geralmente apegada à literalidade da lei, para exigir do candidato conhecimentos doutrinários e jurisprudenciais do instituto do indício. Trata-se de tendência observável das provas mais recentes elaboradas por essa banca, sobretudo quando o concurso notabiliza-se por seu alto grau de complexidade, como no caso de seleções para o cargo de Promotor de Justiça.

Indício é um fato cuja existência é certa, e que leva aquele que o analisa a um outro fato ou circunstância que não era conhecido. Não se confunde com presunção, na medida em que esta é um processo intelectual que leva aquele que investiga um fato a uma conclusão. Aquele é simplesmente um fato que se liga a outros.

Feitas essas breves considerações introdutórias, passa-se à análise das alternativas propostas pelo examinador.


A - serve como elemento formador de convicção do Promotor de Justiça em matéria de Tribunal do Júri. FALSO.

De pronto, a assertiva é criticável por apresentar redação imprecisa e que confunde o candidato. E isso porque não fica claro se está a questionar a formação da opinio delicti do órgão ministerial para o oferecimento de denúncia por crime de competência do Júri ou se está a perquirir acerca da atividade de formação da convicção pelo Tribunal do Júri. Tal confusão, por si só, incompatível com a objetividade necessária à avaliação do candidato em sede de prova preambular, já tornaria a assertiva indigna de ser considerada correta.

Entretanto, aparentemente possível a interpretação de que a alternativa estaria a questionar a atividade de julgamento pelo tribunal do júri, hipótese em que certamente os indícios serviriam para formar a convicção do conselho de sentença e não do promotor de justiça, de modo que, por mais essa razão, a assertiva deve ser considerada FALSA.


B - tem expressa disposição no Título II do Código de Processo Penal que trata do inquérito policial e a prevê como consideração à autoridade policial no âmbito meramente investigativo. FALSO

A alternativa peca logo de início ao afirmar que a matéria tem expressa disposição no Título II do CPP, na medida em que referido trecho do Código de Processo Penal nada dispõe acerca do tema.

Ademais, é sabido que o indício não se limita a ser mera consideração à autoridade policial no âmbito investigativo, uma vez que consiste em efetivo meio de prova, consoante se esclarece nos comentários à alternativa “D”.


C - não tem qualquer valor legal por vedar a Constituição Federal qualquer espécie de presunção por ofensa ao princípio do contraditório. FALSO.

Em atenção aos comentários à alternativa “D”, de pronto exsurgem ao menos três equívocos na assertiva ora analisada, quais sejam:

1) os indícios são dotados de relevante valor legal, uma vez que expressamente previstos pelo art. 239 do CPP como meio de prova;

2) ademais, a utilização do indício não viola o princípio do contraditório, na medida em que, como meio de prova que é, submete-se a amplo questionamento pela defesa, que se pronuncia por último, ao final da instrução probatória, conforme dispõem os arts. 396 e seguintes, do CPP;

3) por fim, indício não se confunde com presunção, consoante esclarecem as considerações iniciais expendidas logo ao início da questão.


D – considera-se indício e é um dos meios de prova. VERDADEIRO.

Tal assertiva, embora seja a correta, pode ser considerada a menos complexa dentre as elencadas. E isso porque o conceito de indício trazido pelo enunciado decorre da dicção expressa do art. 239 do CPP, dispositivo integrante do Capítulo X, topograficamente localizado no Título VII (Da Prova), aspecto que também serve para revelar a natureza do indício como meio de prova, doutrinariamente considerado prova indireta, “uma vez que obtido através de raciocínio lógico”1.

Transcreve-se, por elucidativo, o referido dispositivo do Código de Processo Penal:

CAPÍTULO X

DOS INDÍCIOS

Art. 239. Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autorize, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias.

Ademais, importante destacar os ensinamentos de Fernando Capez acerca do valor probante dos indícios, nos seguintes termos:

A prova indiciária é tão válida como qualquer outra – tem tanto valor como as provas diretas –, como se vê na exposição de motivos, que afirma inexistir hierarquia de provas, isto porque, como referido, o Código de Processo Penal adotou o sistema da livre convicção do juiz, desde que tais indícios sejam sérios e fundados.”2


E - é expressão legal do princípio acusatório no processo penal. FALSO.

Princípio acusatório é o que define e distingue as funções processuais, sendo que um operador do direito não pode cumular as funções do outro: quem acusa é o Ministério Público, quem defende é o advogado, quem julga é juiz, quem investiga é polícia. No Brasil, vigora o sistema acusatório relativo, pois caracteriza-se por algumas mitigações a essa divisão rígida de atribuições processuais.

Desse modo, nota-se que a institucionalização dos indícios como meio de prova representam certa mitigação, e não expressão legal, do princípio acusatório, uma vez que, na visão de Capez, “a prova indiciária somente se mostra capaz de embasar os atos decisórios do juiz toda vez que ele estiver diante de uma fase processual em que vigora o princípio do in dubio pro societate, por ensejar mero juízo de probabilidade”3.

E, como o princípio acusatório vigente no sistema processual brasileiro não é absoluto, permite ao juiz uma atuação mais proativa na produção de provas, sobretudo a título complementar, por força do princípio da verdade real. Nesse sentido, os indícios, uma vez resultantes do raciocínio lógico empregado pelo intérprete, pode-se considerar que o resultado de tal atividade resultaria na obtenção de nova prova (prova indireta).

Desse modo, a prova indiciária, antes de ser uma expressão legal do princípio acusatório, representa na verdade mais uma hipótese de mitigação daquele imperativo, entendimento que torna a alternativa FALSA.

1CAPEZ, Fernando. Curso de Processo Penal. São Paulo: Saraiva, 2007. 14. Ed. p. 363.

2CAPEZ, Fernando. Op. cit.

3Idem. Ibidem.

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