Prezados,
Seguem os comentários às questões de Penal e Processo Penal disponibilizadas ontem, em conjunto.
Fraternal abraço e boa semana de estudos.
Questão 01
(TRT 3ª Região – Juiz do Trabalho – 2012)
Considerando a Lei 4898 de 1965 que trata do crime de abuso de autoridade, analise as afirmativas abaixo e assinale a incorreta:
a) Constitui abuso de autoridade qualquer atentado, praticado por funcionário público, a incolumidade física do indivíduo.
b) O abuso de autoridade sujeita o criminoso à responsabilidade civil, administrativa e penal, todas tratadas inclusive pela lei 4.898/65.
c) Levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei, constitui crime de abuso de autoridade.
d) Ordenar ou executar medida privativa de liberdade, com as formalidades legais, constitui abuso de autoridade.
e) A sanção penal poderá constituir na perda do cargo e na inabilitação para o exercício de qualquer outra função por prazo até três anos.
Gabarito: “D”
(Comentários – Jorge Farias)
Inicialmente, cumpre ressaltar que a Lei do Crime de Abuso de Autoridade é tema frequentemente cobrado em concursos públicos, embora, geralmente, os questionamentos não ultrapassem a mera literalidade da lei, o que exige redobrada atenção do nosso leitor para cada detalhe, por mais sutil que possa parecer, mas potencialmente determinante para lograr acertar a questão.
No presente caso, não é diferente, consoante se observará da análise das assertivas.
Note-se que o enunciado exige que se aponte a assertiva INCORRETA.
a) Constitui abuso de autoridade qualquer atentado, praticado por funcionário público, à incolumidade física do indivíduo. CORRETA.
Trata-se de hipótese expressamente prevista no art. 3º, alínea “i”, da Lei 4.898/65.
Atenção! Basta que ocorra o atentado à incolumidade física para que se configure o crime, não sendo necessária a efetiva lesão à integridade da vítima, o que torna, em tese, o delito insuscetível à modalidade tentada, na medida em que se trata de crime formal ou de consumação antecipada.
Importante destacar que, segundo o STF, o delito em tela não revogou tacitamente o crime de violência arbitrária do art. 322 do CP (RHC 95617/MG).
Por fim, convém salientar que não há óbice à configuração de concurso desse crime com o de lesão corporal, dado protegerem objetos jurídicos diversos.
b) O abuso de autoridade sujeita o criminoso à responsabilidade civil, administrativa e penal, todas tratadas inclusive pela lei 4.898/65. CORRETA.
O abuso de autoridade sujeita o infrator à responsabilização nas três esferas: administrativa, cível e penal, consoante previsão expressa dos arts. 1º e 6º da Lei:
“Art. 1º O direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa civil e penal, contra as autoridades que, no exercício de suas funções, cometerem abusos, são regulados pela presente lei.
Art. 6º O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa civil e penal.”
Especificamente sobre a responsabilização em cada esfera, assim dispõe a Lei 4.898/65:
“§ 1º A sanção administrativa será aplicada de acordo com a gravidade do abuso cometido e consistirá em:
a) advertência;
b) repreensão;
c) suspensão do cargo, função ou posto por prazo de cinco a cento e oitenta dias, com perda de vencimentos e vantagens;
d) destituição de função;
e) demissão;
f) demissão, a bem do serviço público.
§ 2º A sanção civil, caso não seja possível fixar o valor do dano, consistirá no pagamento de uma indenização de quinhentos a dez mil cruzeiros.
§ 3º A sanção penal será aplicada de acordo com as regras dos artigos 42 a 56 do Código Penal e consistirá em:
a) multa de cem a cinco mil cruzeiros;
b) detenção por dez dias a seis meses;
c) perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo até três anos.
§ 4º As penas previstas no parágrafo anterior poderão ser aplicadas autônoma ou cumulativamente.
§ 5º Quando o abuso for cometido por agente de autoridade policial, civil ou militar, de qualquer categoria, poderá ser cominada a pena autônoma ou acessória, de não poder o acusado exercer funções de natureza policial ou militar no município da culpa, por prazo de um a cinco anos.”
c) Levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei, constitui crime de abuso de autoridade. CORRETA.
Trata-se de outra hipótese expressamente prevista na Lei 4.898/65, mais precisamente em seu art. 4º, alínea “e”.
Trata-se da violação ao direito de fiança do preso, objeto das recentes alterações introduzidas pela Lei 12.403/2011, já aqui objeto de análise em diversas oportunidades, mas cuja importância recomenda nova transcrição dos dispositivos pertinentes do CPP:
“Art. 322. A autoridade policial somente poderá conceder fiança nos casos de infração cuja pena privativa de liberdade máxima não seja superior a 4 (quatro) anos.
Parágrafo único. Nos demais casos, a fiança será requerida ao juiz, que decidirá em 48 (quarenta e oito) horas.
Art. 323. Não será concedida fiança:
I - nos crimes de racismo;
II - nos crimes de tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, terrorismo e nos definidos como crimes hediondos;
III - nos crimes cometidos por grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;
Art. 324. Não será, igualmente, concedida fiança:
I - aos que, no mesmo processo, tiverem quebrado fiança anteriormente concedida ou infringido, sem motivo justo, qualquer das obrigações a que se referem os arts. 327 e 328 deste Código;
II - em caso de prisão civil ou militar;
III - (Revogado pela Lei nº 12.403, de 2011);
IV - quando presentes os motivos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 312).”
d) Ordenar ou executar medida privativa de liberdade, com as formalidades legais, constitui abuso de autoridade. INCORRETA.
Esta a assertiva a ser assinalada, diante da sua manifesta incorreção por contrariedade à expressa previsão da Lei 4.868/65:
Art. 4º Constitui também abuso de autoridade:
a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder”
Como exemplos, podemos citar a prisão em flagrante sem a lavratura de APF ou o uso de algemas sem a observância à Súmula Vinculante nº 11-STF.
Note-se que a modalidade “ordenar” é crime formal, admitindo a tentativa somente na forma escrita. Por outro lado, o tipo “executar” é material, sendo plenamente possível a tentativa.
Atenção para o caso de apreender criança ou adolescente sem flagrante de ato infracional e sem ordem judicial. Esta conduta configura o crime do art. 230 do ECA, norma prevalecente em razão do princípio da especialidade e da proteção à criança e ao adolescente, ante a maior severidade da pena cominada no ECA.
e) A sanção penal poderá constituir na perda do cargo e na inabilitação para o exercício de qualquer outra função por prazo até três anos. CORRETA.
Como visto nos comentários à assertiva “b”, além das penas de multa e privativa de liberdade (detenção por dez dias a seis meses), há também a perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo até três anos.
Atenção para o caso específico de abuso de autoridade cometido por policial, também objeto da sanção, autônoma ou acessória, de não poder o acusado exercer funções de natureza policial ou militar no município da culpa, por prazo de um a cinco anos.
Se formos analisar ao "pé da letra", acho que a alternativa "E" também está errada. A Lei diz: Art. 6º _ parágrafo 3º _ alínea c: "perda do cargo e a inabilitação para o exercício de qualquer outra função pública por prazo até três anos". Observe que a qualificação "pública" não aparece na alternativa "E". Com certeza alguém que errou esta questão pode entrar com recurso para anulá-la.
ResponderExcluirBem observado.
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