Questão
3:
(Titular
de Serviços de Notas e de Registros – TJ/CE – 2011 – adaptada) SOBRE JURISDIÇÃO
E AÇÃO, JULGUE O ITEM SEGUINTE.
(i) Pelo princípio da aderência, os juízes
e tribunais exercem a atividade jurisdicional apenas no território nacional.
Essa atividade é repartida de acordo com as regras de competência. Todavia, a
eficácia erga omnes ou ultra partes da coisa julgada, de sentença proferida em
ação coletiva, pode eventualmente estender os limites subjetivos da coisa
julgada para além dos limites territoriais da competência do juiz.
Gabarito oficial: item certo
Nosso
gabarito: item errado
O princípio processual da aderência ao território é
elencado por Ada Pellegrini Grinover (In CINTRA et al. Teoria Geral do
Processo. Ed. Malheiros. 20ª
edição. 2004. p. 138) como sendo inerente à jurisdição, sendo assim
conceituado:
“No princípio da aderência ao território, manifesta-se, em primeiro
lugar, a limitação da própria soberania nacional ao território do país; assim
como os órgãos do Poder Executivo ou do Legislativo, também os magistrados só
têm autoridade nos limites territoriais do Estado. Além disso, como os juízes
são muitos no mesmo país, distribuídos em comarcas (Justiças Estaduais) ou
seções judiciárias (Justiça Federal), também se infere daí que cada juiz só exerce sua autoridade nos limites do
território sujeito por lei à sua jurisdição. O princípio de que tratamos é,
pois, aquele que estabelece limitações territoriais à autoridade dos juízes.” (Op. Cit.
P. 138)
Embora a regra geral seja de que
o juiz não pode estender sua autoridade para além dos limites territoriais de
sua competência jurisdicional, devendo expedir carta precatória (território nacional) ou carta
rogatória (fora do território nacional) para tanto, tal regra comporta
temperamentos em determinadas situações.
É o caso, por exemplo, do
magistrado que, no processo civil, determina a citação postal diretamente endereçada
a pessoas fora da comarca (art. 222, caput, do CPC[1]).
No entanto, a questão de concurso
ora analisada peca ao trazer como exceção ao princípio da aderência uma
hipótese que, de acordo com a jurisprudência mais recente do STJ, não constitui
exceção.
Assim, o erro da questão está em ignorar
que a eficácia erga omnes da coisa
julgada, em sede de ação coletiva, deve sempre respeitar os limites
territoriais da competência do órgão prolator da decisão.
Vejamos o entendimento do STJ a
esse respeito:
“AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EFICÁCIA DA SENTENÇA. LIMITES. JURISDIÇÃO DO ÓRGÃO PROLATOR. 1. A sentença proferida
em ação civil pública fará coisa julgada erga
omnes nos limites
da competência do órgão prolator da decisão, nos termos do art. 16
da Lei nº
7.347/85, alterado pela Lei nº 9.494/97. Precedentes. Agravo no
Recurso Especial não provido.” (STJ; AgRg-REsp
1.105.214; Proc. 2008/0250917-1; DF; Terceira Turma; Relª Minª Fátima Nancy
Andrighi; Julg. 05/04/2011; DJE 08/04/2011)
“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AÇÃO
CIVIL PÚBLICA. EFICÁCIA. LIMITES. JURISDIÇÃO DO ÓRGÃO PROLATOR. 1 - Consoante
entendimento consignado nesta Corte, a sentença proferida em ação civil pública
fará coisa julgada erga omnes nos limites da competência do órgão prolator da
decisão, nos termos do art. 16 da Lei n. 7.347/85, alterado pela Lei n. 9.494/97.
Precedentes. 2 - Embargos de divergência acolhidos.” (STJ; EREsp 411.529;
Proc. 2009/0043111-3; SP; Segunda Seção; Rel. Min. Fernando Gonçalves; Julg.
10/03/2010; DJE 24/03/2010)
Logo, o enunciado da questão não
se amolda ao atual entendimento exarado pelo STJ, sendo, por isso, incorreta a
assertiva.
Por fim, ainda sobre o princípio
da aderência ao território, vale a pena citar um precedente paradigmático do
STJ sobre o tema (de leitura essencial para provas subjetivas de concursos):
“DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.
AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE IMAGEM EM SÍTIO ELETRÔNICO.
PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PARA EMPRESA ESPANHOLA. CONTRATO COM CLÁUSULA DE ELEIÇÃO
DE FORO NO EXTERIOR.
(...) 3. O caso em julgamento traz à baila a
controvertida situação do impacto da internet sobre o direito e as relações
jurídico-sociais, em um ambiente até o momento desprovido de regulamentação
estatal. A origem da internet, além de seu posterior desenvolvimento, ocorre em
um ambiente com características de auto-regulação, pois os padrões e as regras
do sistema não emanam, necessariamente, de órgãos estatais, mas de entidades e
usuários que assumem o desafio de expandir a rede globalmente.
4. A questão principal relaciona-se à
possibilidade de pessoa física, com domicílio no Brasil, invocar a jurisdição
brasileira, em caso envolvendo contrato de prestação de serviço contendo
cláusula de foro na Espanha. A autora, percebendo que sua imagem está sendo
utilizada indevidamente por intermédio de sítio eletrônico veiculado no
exterior, mas acessível pela rede mundial de computadores, ajuíza ação
pleiteando ressarcimento por danos material e moral.
5. Os artigos 100, inciso IV, alíneas
"b" e "c" c/c art. 12, incisos VII e VIII, ambos do CPC,
devem receber interpretação extensiva, pois quando a legislação menciona a
perspectiva de citação de pessoa jurídica estabelecida por meio de agência,
filial ou sucursal, está se referindo à existência de estabelecimento de pessoa
jurídica estrangeira no Brasil, qualquer que seja o nome e a situação jurídica
desse estabelecimento.
6. Aplica-se a teoria da aparência para
reconhecer a validade de citação via postal com "aviso de
recebimento-AR", efetivada no endereço do estabelecimento e recebida por
pessoa que, ainda que sem poderes expressos, assina o documento sem fazer
qualquer objeção imediata. Precedentes.
7. O exercício da jurisdição, função estatal
que busca composição de conflitos de interesse, deve observar certos
princípios, decorrentes da própria organização do Estado moderno, que se
constituem em elementos essenciais para a concretude do exercício
jurisdicional, sendo que dentre eles avultam: inevitabilidade, investidura,
indelegabilidade, inércia, unicidade, inafastabilidade e aderência. No tocante ao princípio da aderência,
especificamente, este pressupõe que, para que a jurisdição seja exercida, deve
haver correlação com um território. Assim, para as lesões a direitos ocorridos
no âmbito do território brasileiro, em linha de princípio, a autoridade
judiciária nacional detém competência para processar e julgar o litígio.
8. O Art. 88 do CPC, mitigando o princípio
da aderência, cuida das hipóteses de jurisdição concorrente (cumulativa), sendo
que a jurisdição do Poder Judiciário Brasileiro não exclui a de outro Estado,
competente a justiça brasileira apenas por razões de viabilidade e efetividade
da prestação jurisdicional, estas corroboradas pelo princípio da
inafastabilidade da jurisdição, que imprime ao Estado a obrigação de solucionar
as lides que lhe são apresentadas, com vistas à consecução da paz social.
9. A comunicação global via computadores
pulverizou as fronteiras territoriais e criou um novo mecanismo de comunicação
humana, porém não subverteu a possibilidade e a credibilidade da aplicação da
Lei baseada nas fronteiras geográficas, motivo pelo qual a inexistência de
legislação internacional que regulamente a jurisdição no ciberespaço abre a
possibilidade de admissão da jurisdição do domicílio dos usuários da internet
para a análise e processamento de demandas envolvendo eventuais condutas indevidas
realizadas no espaço virtual.
10. Com o desenvolvimento da tecnologia,
passa a existir um novo conceito de privacidade, sendo o consentimento do
interessado o ponto de referência de todo o sistema de tutela da privacidade,
direito que toda pessoa tem de dispor com exclusividade sobre as próprias
informações, nelas incluindo o direito à imagem.
11. É reiterado o entendimento da
preponderância da regra específica do art. 100, inciso V, alínea "a",
do CPC sobre as normas genéricas dos arts. 94 e 100, inciso IV, alínea
"a" do CPC, permitindo que a ação indenizatória por danos morais e
materiais seja promovida no foro do local onde ocorreu o ato ou fato, ainda que
a ré seja pessoa jurídica, com sede em outro lugar, pois é na localidade em que
reside e trabalha a pessoa prejudicada que o evento negativo terá maior
repercussão. Precedentes.
12. A cláusula de eleição de foro existente
em contrato de prestação de serviços no exterior, portanto, não afasta a
jurisdição brasileira.
13. Ademais, a imputação de utilização
indevida da imagem da autora é um "posterius" em relação ao contrato
de prestação de serviço, ou seja, o direito de resguardo à imagem e à
intimidade é autônomo em relação ao pacto firmado, não sendo dele decorrente. A
ação de indenização movida pela autora não é baseada, portanto, no contrato em
si, mas em fotografias e imagens utilizadas pela ré, sem seu consentimento,
razão pela qual não há se falar em foro de eleição contratual.
14.
Quando a alegada atividade ilícita tiver sido praticada pela internet,
independentemente de foro previsto no contrato de prestação de serviço, ainda
que no exterior, é competente a autoridade judiciária brasileira caso acionada
para dirimir o conflito, pois aqui tem domicílio a autora e é o local onde
houve acesso ao sítio eletrônico onde a informação foi veiculada,
interpretando-se como ato praticado no Brasil, aplicando-se à hipótese o
disposto no artigo 88, III, do CPC.
15. Recurso Especial a que se nega
provimento.”
(STJ; REsp
1.168.547; Proc. 2007/0252908-3; RJ; Quarta Turma; Rel. Min. Luis Felipe
Salomão; Julg. 11/05/2010; DJE 07/02/2011)
[1] Art. 222. A citação será feita pelo
correio, para qualquer comarca do País, exceto:
a) nas
ações de estado;
b)
quando for ré pessoa incapaz;
c)
quando for ré pessoa de direito público;
d) nos
processos de execução;
e)
quando o réu residir em local não atendido pela entrega domiciliar de
correspondência;
f)
quando o autor a requerer de outra forma.
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