segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Questão 3 (Comentários) - Simulado 1 - PROCESSO CIVIL - 1º ciclo


Questão 3:
(Titular de Serviços de Notas e de Registros – TJ/CE – 2011 – adaptada) SOBRE JURISDIÇÃO E AÇÃO, JULGUE O ITEM SEGUINTE.

(i) Pelo princípio da aderência, os juízes e tribunais exercem a atividade jurisdicional apenas no território nacional. Essa atividade é repartida de acordo com as regras de competência. Todavia, a eficácia erga omnes ou ultra partes da coisa julgada, de sentença proferida em ação coletiva, pode eventualmente estender os limites subjetivos da coisa julgada para além dos limites territoriais da competência do juiz.

Gabarito oficial: item certo
Nosso gabarito: item errado

O princípio processual da aderência ao território é elencado por Ada Pellegrini Grinover (In CINTRA et al. Teoria Geral do Processo. Ed. Malheiros. 20ª edição. 2004. p. 138) como sendo inerente à jurisdição, sendo assim conceituado:
No princípio da aderência ao território, manifesta-se, em primeiro lugar, a limitação da própria soberania nacional ao território do país; assim como os órgãos do Poder Executivo ou do Legislativo, também os magistrados só têm autoridade nos limites territoriais do Estado. Além disso, como os juízes são muitos no mesmo país, distribuídos em comarcas (Justiças Estaduais) ou seções judiciárias (Justiça Federal), também se infere daí que cada juiz só exerce sua autoridade nos limites do território sujeito por lei à sua jurisdição. O princípio de que tratamos é, pois, aquele que estabelece limitações territoriais à autoridade dos juízes.” (Op. Cit. P. 138)
Embora a regra geral seja de que o juiz não pode estender sua autoridade para além dos limites territoriais de sua competência jurisdicional, devendo expedir carta precatória (território nacional) ou carta rogatória (fora do território nacional) para tanto, tal regra comporta temperamentos em determinadas situações.
É o caso, por exemplo, do magistrado que, no processo civil, determina a citação postal diretamente endereçada a pessoas fora da comarca (art. 222, caput, do CPC[1]).
No entanto, a questão de concurso ora analisada peca ao trazer como exceção ao princípio da aderência uma hipótese que, de acordo com a jurisprudência mais recente do STJ, não constitui exceção.
Assim, o erro da questão está em ignorar que a eficácia erga omnes da coisa julgada, em sede de ação coletiva, deve sempre respeitar os limites territoriais da competência do órgão prolator da decisão.
Vejamos o entendimento do STJ a esse respeito:
AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EFICÁCIA DA SENTENÇA. LIMITES. JURISDIÇÃO DO ÓRGÃO PROLATOR. 1. A sentença proferida em ação civil pública fará coisa julgada erga omnes nos limites da competência do órgão prolator da decisão, nos termos do art. 16 da Lei nº 7.347/85, alterado pela Lei nº 9.494/97. Precedentes. Agravo no Recurso Especial não provido.” (STJ; AgRg-REsp 1.105.214; Proc. 2008/0250917-1; DF; Terceira Turma; Relª Minª Fátima Nancy Andrighi; Julg. 05/04/2011; DJE 08/04/2011)

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. EFICÁCIA. LIMITES. JURISDIÇÃO DO ÓRGÃO PROLATOR. 1 - Consoante entendimento consignado nesta Corte, a sentença proferida em ação civil pública fará coisa julgada erga omnes nos limites da competência do órgão prolator da decisão, nos termos do art. 16 da Lei n. 7.347/85, alterado pela Lei n. 9.494/97. Precedentes. 2 - Embargos de divergência acolhidos.” (STJ; EREsp 411.529; Proc. 2009/0043111-3; SP; Segunda Seção; Rel. Min. Fernando Gonçalves; Julg. 10/03/2010; DJE 24/03/2010)

Logo, o enunciado da questão não se amolda ao atual entendimento exarado pelo STJ, sendo, por isso, incorreta a assertiva.
Por fim, ainda sobre o princípio da aderência ao território, vale a pena citar um precedente paradigmático do STJ sobre o tema (de leitura essencial para provas subjetivas de concursos):
DIREITO PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR UTILIZAÇÃO INDEVIDA DE IMAGEM EM SÍTIO ELETRÔNICO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PARA EMPRESA ESPANHOLA. CONTRATO COM CLÁUSULA DE ELEIÇÃO DE FORO NO EXTERIOR.
(...) 3. O caso em julgamento traz à baila a controvertida situação do impacto da internet sobre o direito e as relações jurídico-sociais, em um ambiente até o momento desprovido de regulamentação estatal. A origem da internet, além de seu posterior desenvolvimento, ocorre em um ambiente com características de auto-regulação, pois os padrões e as regras do sistema não emanam, necessariamente, de órgãos estatais, mas de entidades e usuários que assumem o desafio de expandir a rede globalmente.
4. A questão principal relaciona-se à possibilidade de pessoa física, com domicílio no Brasil, invocar a jurisdição brasileira, em caso envolvendo contrato de prestação de serviço contendo cláusula de foro na Espanha. A autora, percebendo que sua imagem está sendo utilizada indevidamente por intermédio de sítio eletrônico veiculado no exterior, mas acessível pela rede mundial de computadores, ajuíza ação pleiteando ressarcimento por danos material e moral.
5. Os artigos 100, inciso IV, alíneas "b" e "c" c/c art. 12, incisos VII e VIII, ambos do CPC, devem receber interpretação extensiva, pois quando a legislação menciona a perspectiva de citação de pessoa jurídica estabelecida por meio de agência, filial ou sucursal, está se referindo à existência de estabelecimento de pessoa jurídica estrangeira no Brasil, qualquer que seja o nome e a situação jurídica desse estabelecimento.
6. Aplica-se a teoria da aparência para reconhecer a validade de citação via postal com "aviso de recebimento-AR", efetivada no endereço do estabelecimento e recebida por pessoa que, ainda que sem poderes expressos, assina o documento sem fazer qualquer objeção imediata. Precedentes.
7. O exercício da jurisdição, função estatal que busca composição de conflitos de interesse, deve observar certos princípios, decorrentes da própria organização do Estado moderno, que se constituem em elementos essenciais para a concretude do exercício jurisdicional, sendo que dentre eles avultam: inevitabilidade, investidura, indelegabilidade, inércia, unicidade, inafastabilidade e aderência. No tocante ao princípio da aderência, especificamente, este pressupõe que, para que a jurisdição seja exercida, deve haver correlação com um território. Assim, para as lesões a direitos ocorridos no âmbito do território brasileiro, em linha de princípio, a autoridade judiciária nacional detém competência para processar e julgar o litígio.
8. O Art. 88 do CPC, mitigando o princípio da aderência, cuida das hipóteses de jurisdição concorrente (cumulativa), sendo que a jurisdição do Poder Judiciário Brasileiro não exclui a de outro Estado, competente a justiça brasileira apenas por razões de viabilidade e efetividade da prestação jurisdicional, estas corroboradas pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição, que imprime ao Estado a obrigação de solucionar as lides que lhe são apresentadas, com vistas à consecução da paz social.
9. A comunicação global via computadores pulverizou as fronteiras territoriais e criou um novo mecanismo de comunicação humana, porém não subverteu a possibilidade e a credibilidade da aplicação da Lei baseada nas fronteiras geográficas, motivo pelo qual a inexistência de legislação internacional que regulamente a jurisdição no ciberespaço abre a possibilidade de admissão da jurisdição do domicílio dos usuários da internet para a análise e processamento de demandas envolvendo eventuais condutas indevidas realizadas no espaço virtual.
10. Com o desenvolvimento da tecnologia, passa a existir um novo conceito de privacidade, sendo o consentimento do interessado o ponto de referência de todo o sistema de tutela da privacidade, direito que toda pessoa tem de dispor com exclusividade sobre as próprias informações, nelas incluindo o direito à imagem.
11. É reiterado o entendimento da preponderância da regra específica do art. 100, inciso V, alínea "a", do CPC sobre as normas genéricas dos arts. 94 e 100, inciso IV, alínea "a" do CPC, permitindo que a ação indenizatória por danos morais e materiais seja promovida no foro do local onde ocorreu o ato ou fato, ainda que a ré seja pessoa jurídica, com sede em outro lugar, pois é na localidade em que reside e trabalha a pessoa prejudicada que o evento negativo terá maior repercussão. Precedentes.
12. A cláusula de eleição de foro existente em contrato de prestação de serviços no exterior, portanto, não afasta a jurisdição brasileira.
13. Ademais, a imputação de utilização indevida da imagem da autora é um "posterius" em relação ao contrato de prestação de serviço, ou seja, o direito de resguardo à imagem e à intimidade é autônomo em relação ao pacto firmado, não sendo dele decorrente. A ação de indenização movida pela autora não é baseada, portanto, no contrato em si, mas em fotografias e imagens utilizadas pela ré, sem seu consentimento, razão pela qual não há se falar em foro de eleição contratual.
14. Quando a alegada atividade ilícita tiver sido praticada pela internet, independentemente de foro previsto no contrato de prestação de serviço, ainda que no exterior, é competente a autoridade judiciária brasileira caso acionada para dirimir o conflito, pois aqui tem domicílio a autora e é o local onde houve acesso ao sítio eletrônico onde a informação foi veiculada, interpretando-se como ato praticado no Brasil, aplicando-se à hipótese o disposto no artigo 88, III, do CPC.
15. Recurso Especial a que se nega provimento.
(STJ; REsp 1.168.547; Proc. 2007/0252908-3; RJ; Quarta Turma; Rel. Min. Luis Felipe Salomão; Julg. 11/05/2010; DJE 07/02/2011) 


[1]     Art. 222. A citação será feita pelo correio, para qualquer comarca do País, exceto:
a) nas ações de estado;
b) quando for ré pessoa incapaz;
c) quando for ré pessoa de direito público;
d) nos processos de execução;
e) quando o réu residir em local não atendido pela entrega domiciliar de correspondência;
f) quando o autor a requerer de outra forma.

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