terça-feira, 7 de agosto de 2012

Simulado 1_Direito Constitucional - 1º Ciclo - comentários - questão 1


Seguem os gabaritos e comentários às questões do 1º Simulado do ciclo 1 de Constitucional. Como se saíram? Deixem as suas impressões nos comentários.

Arthur Tavares

Questão 1
(Instituto Cidades/DPE-AM/Defensor Público/2011) A respeito do conceito e da classifcação da Constituição, é correto afirmar que:
a) A Constituição, na clássica definição de Lassalle, é a decisão polítca fundamental de um povo, insculpida em um texto normativo que goza de superioridade jurídica frente às demais normas constitucionais.
b) Para Carl Schimit, a Constituição é a norma jurídica fundamental do ordenamento jurídico, servindo de fundamento de validade para as demais normas jurídicas.
c) No entendimento de Hans Kelsen, a Constituição é resultado das forças reais de poder, buscando o seu fundamento de validade em uma norma jurídica epistemológica.
d) Para Carl Schmit, não há razão para se fazer distinção entre normas constitucionais em sentido formal e em sentido material, pois tudo o que está na Constituição tem o mesmo status constitucional.
e) No sentido ontológico (karl Loewenstein), a Constituição pode ser classificada em semântica, nominal e normativa. A Constituição Federal de 1988 é um exemplo de Constituição normativa.

Gabarito: LETRA E
A alternativa A está incorreta. Ferdinand Lassale, em sua obra O que é uma Constituição, foi o expoente do chamado conceito sociológico de Constituição. Para ele, a Constituição somente seria legítima se representasse as forças sociais que constituem o poder. O autor celebrizou a expressão segundo a qual a Constituição é uma mera folha de papel, que deve ser ignorada caso não reflita a soma dos fatores reais de poder. Nessa linha, o texto normativo é que deveria se adaptar à realidade fática.

As palavras de Dirley da Cunha Júnior bem sintetizam essas noções:

Se, por uma concepção jurídica, é a Constituição que determina e constrói a sociedade, conformando-a, constituindo-a, transformando-a e estabelecendo seus fins, por uma uma concepção sociológica é a sociedade que determina e constrói a Constituição, não passando esta de puro reflexo ou projeto da realidade viva da sociedade e das formas sociais nela operantes.
Para o pensamento sociológico, é necessário reconhecer que a sociedade tem normatividade própria, ou seja, que as forças sociais têm suas próprias leis, e que estas muitas vezes se mostram rebeldes à atuação das normas jurídicas (Curso, 2011, pp. 76/77).

Já a noção de “decisão política fundamental” faz-se presente no conceito político de Constituição, defendido por Carl Schmitt.

Também está incorreta a alternativa B. Como mencionado na assertiva anterior, Schmitt defendeu o conceito político de Constituição, segundo o qual esta espelharia as decisões políticas fundamentais do titular do poder constituinte – o povo.

O referido autor faz a distinção entre normas materialmente constitucionais e leis constitucionais (ou Constituição e lei constitucional). Normas formalmente inseridas no texto constitucional, mas que não refletissem uma decisão política fundamental – direitos fundamentais, organização do Estado e distribuição dos poderes são exemplos de temas que veiculam decisões políticas fundamentais – seriam meras leis constitucionais, não podendo ser consideradas Constituição. Revela-se, assim, a erronia também da alternativa D.

Importante que se tenha atenção para não fazer uma indevida importação de conceitos. O que aqui se expõe é entendimento de Schmitt. Quanto ao ordenamento brasileiro, observe que, apesar de nossa Constituição Federal conter uma grande diversidade de normas que são apenas formalmente - mas mão materialmente - constitucionais, o princípio hermenêutico da unidade impõe que não há diversidade hierárquica no texto, de modo que todas as normas da CF88 têm, sim, o mesmo status.

A percepção de que a Constituição é a norma jurídica fundamental e apresenta superioridade normativa decorre da construção teórica de Hans Kelsen, com sua acepção jurídica de Constituição. Para ele, a norma deve ser entendida como puro dever-ser, afastadas quaisquer concepções políticas, filosóficas, sociológicas. Daí porque falava em uma Teoria Pura do Direito. É na teoria do austríaco que surge a necessidade da chamada da compatibilidade vertical (ou verticalidade hierárquica), modelo no qual normas de menor hierarquia devem respeito a normas superiores, nas quais buscam fundamento de validade. Essas noções inspiram o nosso ordenamento atual e são fundamentais para a compreensão do controle de constitucionalidade.

A alternativa C também está Incorreta. É possível afirmar que, na teoria Kelseniana, a Constituição busca seu fundamento de validade em uma norma epistemológica. Como se sabe, o conceito jurídico é bipartido: o jurídico-positivo e o lógico-jurídico.

No primeiro, toma-se a Constituição como a norma de mais alta hierarquia de um ordenamento, que serve de fundamento de validade para todas as outras.

No segundo, busca-se uma forma de explicar o que, afinal, confere validade à referida norma de maior hierarquia. Admite-se, então, a existência de uma norma hipotética fundamental, cuja aceitação é pressuposto lógico para que se aceite a superioridade conferida à Constituição.

Assim, a erronia da assertiva reside em afirmar que para Kelsen, a Constituição é resultado das forças de poder. Como vimos, esse é o entendimento de Ferdinand Lassale, em seu conceito sociológico.

Correta, portanto, a alternativa E. Para muitos autores, esse (sentido ontológico) não seria um dos sentidos de Constituição, mas uma das classificações possíveis. De qualquer forma, é, sem dúvida, a mais adequada das assertivas.

Na classificação ontológica de karl Lowenstein (que adota um critério referente à correspondência com a realidade, quanto à essência ou, ainda, quanto à efetividade da Constituição), ter-se-iam constituições normativas, nominalistas e semânticas.

A constituição normativa é aquela cujos preceitos são respeitados pelas pessoas e poderes que estão sujeitas à normatividade constitucional. Nela, o processo político submete-se e respeita a previsão do texto.

A constituição semântica é uma espécie de máscara do poder. Apresenta apenas uma aparência de legalidade, mas com a finalidade de legitimar a utilização corrompida dos poderes atribuídos. É, em verdade, feita com a finalidade de ser manipulada e descumprida, sendo comum em regimes ditatoriais. Há pouca ou nenhuma correspondência entre as previsões constitucionais e realidade, de modo que a Constituição somente se aplica conforme a conveniência daquele que exerce o poder.

A constituição nominalista representaria meio termo entre as duas anteriores. Chama-se nominalista, porque ela atribui direitos e pretende, de fato, regular a sociedade (dá muitos nomes), mas não é efetivamente ou inteiramente respeitada, carecendo, em grande parte, de efetiva aplicabilidade.

Há boa doutrina a sustentar que nossa Constituição é nominalista. É o caso do professor Uadi Lammêgo Bulos (Curso, 2010, p. 114), mas, para a maioria dos doutrinadores temos, no Brasil, uma constituição normativa. Para fins de provas objetivas, recomendável seguir esse entendimento, que, a propósito, responde à presente questão.

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