quinta-feira, 19 de julho de 2012

Simulado 22_2012 - Penal e Processo Penal - Questão 04


Questão 04
(FCC – DPE/SP – Defensor Público – 2012)
Em relação à Lei Federal nº 11.343/06, que estabelece o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, é correto afirmar que
(A) o comando legal que vedava a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos no crime de tráfico teve sua execução suspensa por resolução do Senado Federal.
(B) a conduta de guardar, para consumo próprio, drogas em desacordo com determinação legal e regulamentar, configura mera infração administrativa.
(C) o informante que colabora com grupo que, sem autorização ou em desacordo com a legislação regulamentar, se dedica à venda de drogas, responde pelo mesmo tipo pena em que incorrerá o grupo vendedor, visto que sistema penal pátrio adota a teoria monista.
(D) por se tratar de norma penal em branco, a legislação delegou a órgão do Poder Executivo Federal a definição de critério quantitativo rígido para fins de distinção da conduta do usuário e do traficante.
(E) a lei em questão prevê pena privativa de liberdade para aquele que conduz veículo automotor, embarcação ou aeronave após o consumo de drogas, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem.

Gabarito: “A”
(Comentários – Jorge Farias)
A leitura da questão nos dá conta de que se está a exigir basicamente o conhecimento da legislação por ela mesma indicada (Lei 11.343/2006), com uma única ressalva de entendimento jurisprudencial, o que nos permite passar diretamente à análise das assertivas, nos seguintes termos.

(A) o comando legal que vedava a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos no crime de tráfico teve sua execução suspensa por resolução do Senado Federal. CORRETO.
Trata-se, na verdade, dos arts. 33, § 4º e 44 da Lei 11.343/2006, assim redigido:
Art. 33 (omissis)
§ 4o Nos delitos definidos no caput e no § 1o deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. (Vide Resolução nº 5, de 2012)
Art. 44. Os crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 a 37 desta Lei são inafiançáveis e insuscetíveis de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória, vedada a conversão de suas penas em restritivas de direitos.
Parágrafo único. Nos crimes previstos no caput deste artigo, dar-se-á o livramento condicional após o cumprimento de dois terços da pena, vedada sua concessão ao reincidente específico.”
Referido comando legal foi declarado inconstitucional em sede de controle difuso pelo Supremo Tribunal Federal, nos autos do HC nº 97.256/RS (Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 16.12.2010), assim ementado:
HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 44 DA LEI 11.343/2006: IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (INCISO XLVI DO ART. 5º DA CF/88). ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
  1. O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares: o legislativo, o judicial e o executivo. Logo, a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinqüente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo. Implicando essa ponderação em concreto a opção jurídico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional; ditada pelo permanente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça material.
    2. No momento sentencial da dosimetria da pena, o juiz sentenciante se movimenta com ineliminável discricionariedade entre aplicar a pena de privação ou de restrição da liberdade do condenado e uma outra que já não tenha por objeto esse bem jurídico maior da liberdade física do sentenciado. Pelo que é vedado subtrair da instância julgadora a possibilidade de se movimentar com certa discricionariedade nos quadrantes da alternatividade sancionatória.
    3. As penas restritivas de direitos são, em essência, uma alternativa aos efeitos certamente traumáticos, estigmatizantes e onerosos do cárcere. Não é à toa que todas elas são comumente chamadas de penas alternativas, pois essa é mesmo a sua natureza: constituir-se num substitutivo ao encarceramento e suas seqüelas. E o fato é que a pena privativa de liberdade corporal não é a única a cumprir a função retributivo-ressocializadora ou restritivo-preventiva da sanção penal. As demais penas também são vocacionadas para esse geminado papel da retribuição-prevenção-ressocialização, e ninguém melhor do que o juiz natural da causa para saber, no caso concreto, qual o tipo alternativo de reprimenda é suficiente para castigar e, ao mesmo tempo, recuperar socialmente o apenado, prevenindo comportamentos do gênero.
    4. No plano dos tratados e convenções internacionais, aprovados e promulgados pelo Estado brasileiro, é conferido tratamento diferenciado ao tráfico ilícito de entorpecentes que se caracterize pelo seu menor potencial ofensivo. Tratamento diferenciado, esse, para possibilitar alternativas ao encarceramento. É o caso da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, incorporada ao direito interno pelo Decreto 154, de 26 de junho de 1991. Norma supralegal de hierarquia intermediária, portanto, que autoriza cada Estado soberano a adotar norma comum interna que viabilize a aplicação da pena substitutiva (a restritiva de direitos) no aludido crime de tráfico ilícito de entorpecentes.
    5. Ordem parcialmente concedida tão-somente para remover o óbice da parte final do art. 44 da Lei 11.343/2006, assim como da expressão análoga “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, constante do § 4º do art. 33 do mesmo diploma legal. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da proibição de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos; determinando-se ao Juízo da execução penal que faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da convolação em causa, na concreta situação do paciente.”
E em face dessa declaração incidental de inconstitucionalidade, o Senado Federal suspendeu, por meio de resolução, a aplicação do referido dispositivo, nos termos do art. 52, inciso X, da Constituição Federal:
RESOLUÇÃO Nº 5, DE 2012.
Suspende, nos termos do art. 52, inciso X, da Constituição Federal, a execução de parte do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006.
O Senado Federal resolve:
Art. 1º É suspensa a execução da expressão "vedada a conversão em penas restritivas de direitos" do § 4º do art. 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006, declarada inconstitucional por decisão definitiva do Supremo Tribunal Federal nos autos do Habeas Corpus nº 97.256/RS.
Art. 2º Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
Senado Federal, em 15 de fevereiro de 2012.”
Portanto, CORRETA a assertiva.

(B) a conduta de guardar, para consumo próprio, drogas em desacordo com determinação legal e regulamentar, configura mera infração administrativa. INCORRETO.
Não se trata de mera infração administrativa, mas de crime previsto no art. 28 da Lei 11.343/2006:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.”
Referida conduta, sofreu a denominada despenalização em relação à Lei 6368/76, na medida em que não mais passou a ser cominada pena privativa de liberdade, mas aquelas acima elencadas.
Portanto, importante ressaltar que se trata de mera despenalização e não de descriminalização, pois a conduta ora analisada continua sendo legalmente considerada criminosa.

(C) o informante que colabora com grupo que, sem autorização ou em desacordo com a legislação regulamentar, se dedica à venda de drogas, responde pelo mesmo tipo pena em que incorrerá o grupo vendedor, visto que sistema penal pátrio adota a teoria monista. INCORRETO.
Trata-se de mais uma exceção dualista à teoria monista propalada pelo art. 29 do CP, pois traficante e informante enquadram-se em tipos penais distintos pela Lei 11.343/2006, sendo o informante incurso no art. 37 do referido diploma especial:
Art. 37. Colaborar, como informante, com grupo, organização ou associação destinados à prática de qualquer dos crimes previstos nos arts. 33, caput e § 1o, e 34 desta Lei:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e pagamento de 300 (trezentos) a 700 (setecentos) dias-multa.

(D) por se tratar de norma penal em branco, a legislação delegou a órgão do Poder Executivo Federal a definição de critério quantitativo rígido para fins de distinção da conduta do usuário e do traficante. INCORRETO.
A Lei 11.343/2006, em seu art. 28, elucida a questão de modo a dispensar maiores comentários:
Art. 28 (omissis)
§ 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
Ou seja, a determinação da condição de traficante ou de usuário não foi delegada ao Poder Executivo, mas ao magistrado processante.
Nota-se que o examinador buscou induzir o candidato em erro, na medida em que há delegação ao Poder Executivo, não para determinar a condição de usuário ou de traficante, mas sim para a definição das substâncias proscritas, objeto dos diversos crimes de que trata a Lei 11.343/2006.
Portanto, incorreta a assertiva.

(E) a lei em questão prevê pena privativa de liberdade para aquele que conduz veículo automotor, embarcação ou aeronave após o consumo de drogas, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem. INCORRETA.
A assertiva peca por incluir a hipótese de condução de veículo automotor, na medida em que a Lei 11.343/2006 somente se refere a embarcação ou aeronave:
Art. 39. Conduzir embarcação ou aeronave após o consumo de drogas, expondo a dano potencial a incolumidade de outrem:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 3 (três) anos, além da apreensão do veículo, cassação da habilitação respectiva ou proibição de obtê-la, pelo mesmo prazo da pena privativa de liberdade aplicada, e pagamento de 200 (duzentos) a 400 (quatrocentos) dias-multa.
Parágrafo único. As penas de prisão e multa, aplicadas cumulativamente com as demais, serão de 4 (quatro) a 6 (seis) anos e de 400 (quatrocentos) a 600 (seiscentos) dias-multa, se o veículo referido no caput deste artigo for de transporte coletivo de passageiros.”
A conduta de conduzir veículo automotor após o consumo de drogas é tipificada pelo Código de Trânsito Brasileiro, mais precisamente em seu art. 306:
Art. 306. Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência:
Penas - detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor.
Parágrafo único. O Poder Executivo federal estipulará a equivalência entre distintos testes de alcoolemia, para efeito de caracterização do crime tipificado neste artigo.”
Portanto, incorreta a assertiva.

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