Questão 02
(FCC – DPE/SP – Defensor
Público – 2012)
Princípios e garantias processuais
penais fundamentais.
(A) O princípio do nemo tenetur
se detegere é corolário da garantia constitucional do direito
ao silêncio e impede que todo o acusado seja compelido a produzir ou
contribuir com a formação de prova contrária ao seu interesse,
salvo se não houver outro meio de produção de prova.
(B) Constitui nulidade relativa o
desempenho de uma única defesa técnica para corréus em posições
conflitantes, em razão de violação ao princípio da ampla defesa.
(C) A garantia constitucional da
duração razoável do processo não se aplica ao inquérito policial
por este tratar de procedimento administrativo, sendo garantia
exclusiva do processo acusatório.
(D) O Superior Tribunal de Justiça
vem admitindo a mitigação do princípio da identidade física do
juiz nos casos de convocação, licença, promoção ou de outro
motivo que impeça o juiz que tiver presidido a instrução de
sentenciar o feito, aplicando, por analogia, a lei processual civil.
(E) A defesa técnica em processo
penal, por ser garantia exclusiva do acusado, pode ser por ele
renunciada, desde que haja expressa manifestação de vontade
homologada pelo juiz competente.
Gabarito: “D”
(Comentários – Jorge Farias)
(A) O princípio do nemo
tenetur se detegere é corolário da garantia constitucional do
direito ao silêncio e impede que todo o acusado seja compelido a
produzir ou contribuir com a formação de prova contrária ao seu
interesse, salvo se não houver outro meio de produção de prova.
INCORRETO.
O princípio do nemo tenetur se
detegere, corolário do direito constitucional ao silêncio, não
comporta a aludida ressalva, de mitigação em caso de não haver
outro meio de produção de prova, pois deve ser interpretado à luz
do princípio da máxima efetividade das normas constitucionais,
consoante se infere de recente entendimento do STF sobre o tema:
"A Constituição Federal
assegura aos presos o direito ao silêncio (inciso LXIII do art. 5º).
Nessa mesma linha de orientação, o Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos (Pacto de São José da Costa Rica)
institucionaliza o princípio da ‘não autoincriminação’ (nemo
tenetur se detegere). Esse direito subjetivo de não se
autoincriminar constitui uma das mais eminentes formas de
densificação da garantia do devido processo penal e do direito à
presunção de não culpabilidade (inciso LVII do art. 5º da CF). A
revelar, primeiro, que o processo penal é o espaço de atuação
apropriada para o órgão de acusação demonstrar por modo robusto a
autoria e a materialidade do delito. Órgão que não pode se
esquivar da incumbência de fazer da instrução criminal a sua
estratégia oportunidade de produzir material probatório
substancialmente sólido em termos de comprovação da existência de
fato típico e ilícito, além da culpabilidade do acusado." (HC
101.909, Rel. Min. Ayres Britto, DJe de 19-6-2012.)
(B) Constitui nulidade relativa o
desempenho de uma única defesa técnica para corréus em posições
conflitantes, em razão de violação ao princípio da ampla defesa.
INCORRETO.
Primeiramente, nunca se pode
esquecer o princípio norteador do tema “nulidades em processo
penal”, qual seja, o de que não há nulidade sem prejuízo,
inscrito no art. 563 do CPP (“Nenhum ato será declarado nulo,
se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a
defesa”).
As nulidades relativas não se
presumem, carecendo de demonstração do efetivo prejuízo, no caso,
para a defesa. Portanto, o mero fato de corréus, ainda que em
posições conflitantes, contarem com uma única defesa técnica, não
induz presunção de colidência de defesas e, portanto, de eventual
nulidade.
A esse respeito, confira-se
elucidativo julgado do Superior Tribunal de Justiça:
“CRIMINAL. HC. TRÁFICO DE
ENTORPECENTES. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. NULIDADE. (...) AUSÊNCIA
DE PREJUÍZOS. CONDENAÇÃO BASEADA EM OUTROS ELEMENTOS DO CONJUNTO
PROBATÓRIO. RÉU NÃO SUBMETIDO A EXAME DE SANIDADE MENTAL. CARÊNCIA
DE JUSTIFICATIVA PARA A REALIZAÇÃO
DA PERÍCIA. FALTA DE PEDIDO DA DEFESA. MATÉRIA PRECLUSA. COLIDÊNCIA
DE DEFESAS. NÃO OCORRÊNCIA. PATRONO DILIGENTE. TESE CONVERGENTE À
ABSOLVIÇÃO DOS CO-RÉUS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO.
ORDEM DENEGADA.
(...)
- Não se reconhece a apontada nulidade da ação penal por colidência de defesa, se evidenciada a regular assistência do patrono, durante todo o feito, o qual bem sustentou a inocência dos co-réus, ressaltando o fato de ter sido constituído pelo paciente ao mesmo tempo em que patrocinava a defesa da co-ré.
- VIII. Impetração que não logrou demonstrar em que ponto consistiria, efetivamente, a aduzida colidência de defesas, tendo em vista as teses convergirem para o mesmo ponto, qual seja, a tentativa de absolvição dos co-réus, por insuficiência de provas.
IX. Só se declara nulidade, no
processo penal, quando sobressai efetivo prejuízo à parte, o que
não restou evidenciado no presente caso. Incidência da Súmula n.º
523 do STF. Precedentes.”
(HC 64.430/DF, Rel. Min. Gilson
Dipp, DJe de 18.06.2007)
(C) A garantia constitucional da
duração razoável do processo não se aplica ao inquérito policial
por este tratar de procedimento administrativo, sendo garantia
exclusiva do processo acusatório. INCORRETO.
A CF, em seu art. 5º, inciso
LXXVIII, assegura que “a todos, no âmbito judicial e
administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e
os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Portanto, indiferente se tratar o
inquérito policial de mero procedimento administrativo, pois também
se submete ao aludido comando constitucional.
(D) O Superior Tribunal de
Justiça vem admitindo a mitigação do princípio da identidade
física do juiz nos casos de convocação, licença, promoção ou de
outro motivo que impeça o juiz que tiver presidido a instrução de
sentenciar o feito, aplicando, por analogia, a lei processual civil.
CORRETO.
Com as reformas empreendidas no CPP
por meio da Lei nº 11.719/2008, o princípio da identidade física
do juiz restou positivado no art. 399, § 2º, assim redigido:
Art. 399. Recebida a denúncia ou
queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a
intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e,
se for o caso, do querelante e do assistente.
§ 1o O acusado preso será
requisitado para comparecer ao interrogatório, devendo o poder
público providenciar sua apresentação.
§ 2o O juiz que presidiu a
instrução deverá proferir a sentença.
Por se tratar de instituto
trasladado do processo civil para o processo penal, entende a
jurisprudência ser aplicável, analogicamente, a legislação
processual civil ao caso. A
esse respeito, convém trazer à colação recente julgado do
Superior Tribunal de Justiça, assim ementado:
“HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL.
TRÁFICO DE DROGAS. ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL. PLEITO PELO
RECONHECIMENTO DE NULIDADE. PRINCÍPIO DA IDENTIDADE FÍSICA DO
JUIZ. APLICAÇÃO ANALÓGICA DO ART. 132 DO CPC. INOCORRÊNCIA.
INTERROGATÓRIO. INVERSÃO NA ORDEM DE FORMULAÇÃO DAS PERGUNTAS.
EXEGESE DO ART. 212 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, COM A REDAÇÃO
DADA PELA LEI 11.690/08. OFENSA AO DEVIDO PROCESSO LEGAL.
CONSTRANGIMENTO EVIDENCIADO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. O princípio da identidade
física do juiz, introduzido no sistema processual penal pátrio pela
Lei n.° 11.719/08, deve ser analisado, conforme a recente
jurisprudência da Quinta Turma deste Superior Tribunal, à luz das
regras específicas do art. 132, do Código de Processo Civil.
2. O fato de o juiz substituto ter
sido designado para atuar na Vara do Tribunal do Júri, em razão de
férias da Juíza titular, realizando o interrogatório do réu e
proferindo a decisão de pronúncia, não apresenta qualquer vício
apto a ensejar a nulidade do feito. (…)”
(HC 151.054/AP, Rel. Min. Adilson Vieira Macabu – Des. Conv. TJ/RJ,
DJe de 03.02.2012)
Para saber mais sobre o aludido
princípio, consulte nossos comentários à Questão nº 05 do
Simulado nº 04/2012 de Processo Penal.
(E) A defesa técnica em processo
penal, por ser garantia exclusiva do acusado, pode ser por ele
renunciada, desde que haja expressa manifestação de vontade
homologada pelo juiz competente. INCORRETO.
Entende-se aplicável ao caso, por
analogia, o entendimento consolidado na Súmula 705-STF (“A
RENÚNCIA DO RÉU AO DIREITO DE APELAÇÃO, MANIFESTADA SEM A
ASSISTÊNCIA DO DEFENSOR, NÃO IMPEDE O CONHECIMENTO DA APELAÇÃO
POR ESTE INTERPOSTA”).
A esse respeito, confira-se julgado
elucidativo, emanado pelo Superior Tribunal de Justiça:
“HABEAS CORPUS. CONDENAÇÃO.
RENÚNCIA DO RÉU AO DIREITO DE RECORRER. DIVERGÊNCIA DO DEFENSOR.
APELAÇÃO INTERPOSTA. PREVALÊNCIA DA DEFESA TÉCNICA. DIREITO
CONSTITUCIONAL À AMPLA DEFESA. SÚMULA 705 DO STF.
1. Havendo divergência entre o
réu e o seu defensor quanto à eventual interposição de recurso,
deve prevalecer o entendimento da defesa técnica, porquanto, sendo
profissional especializado, o defensor tem condições de melhor
analisar a situação processual do acusado e, portanto, garantir-lhe
o pleno exercício do direito de defesa. Inteligência do
enunciado n.º 705 da Súmula do Supremo Tribunal Federal.
Precedentes do STJ.
2. Ordem concedida para determinar
que o eg. Tribunal a quo aprecie a apelação interposta, julgando-a
como entender de direito.”
(HC 96.001/SP, Rel. Min. Laurita
Vaz, DJe de 24.03.2008)
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