segunda-feira, 2 de abril de 2012

Simulado 10_2012 - Penal e Processo Penal - Questão 01 - Comentários

Prezados,

Seguem os comentários às questões disponibilizadas hoje cedo para nossos estimados leitores.

Aproveitem o tempo extra para intensificar os estudos neste feriado que se aproxima.

Cordial abraço,

Jorge Farias.


Questão 01

(FGV – Senado Federal – Policial Legislativo – 2012)

No tocante aos crimes contra o patrimônio, atento à jurisprudência majoritária dos tribunais superiores, é correto afirmar que:

A) o emprego de arma de fogo desmuniciada tipifica a forma majorada do roubo.

B) o crime de receptação previsto no artigo 180 do Código Penal e seus parágrafos, dependendo da hipótese respectiva, ora decorre do dolo direto, ora do dolo eventual, ou somente da culpa do agente na aquisição de coisa de origem patrimonial.

C) por se tratar de crime formal, na forma da súmula 96 do STJ, a extorsão não admite a forma tentada.

D) a ação penal no crime de dano, em qualquer de suas formas, somente se procede mediante queixa.

E) em se tratando de acusado primário, mas com maus antecedentes, ainda que a coisa subtraída seja de pequeno valor, não é possível o reconhecimento da forma privilegiada do furto.

Gabarito: “B”

Comentários (Jorge Farias):

A leitura da questão revela a necessidade de amplo conhecimento do trinômio lei/doutrina/jurisprudência acerca dos crimes contra o patrimônio, cujos detalhes buscaremos especificar a seguir.

A) o emprego de arma de fogo desmuniciada tipifica a forma majorada do roubo. INCORRETA.

A jurisprudência majoritária dos tribunais superiores consolidou-se em sentido contrário, de modo que o uso de arma de fogo desmuniciada não é suficiente à configuração da qualificadora do crime de roubo prevista no art. 157, § 2º, inciso I, do CP, mas somente a figura do caput (roubo simples), ante a ausência de potencialidade lesiva do artefato.

A esse respeito, confiram-se recentes julgados de ambas as turmas criminais do STJ:

“HABEAS CORPUS. ROUBO DUPLAMENTE CIRCUNSTANCIADO. UTILIZAÇÃO DE ARMA. APREENSÃO E SUBMISSÃO A PERÍCIA, NA QUAL SE CONSTATOU QUE O PETRECHO ESTAVA DESMUNICIADO. AFASTAMENTO DA MAJORANTE. ESTABELECIMENTO DO REGIME MAIS GRAVOSO COM BASE NA GRAVIDADE EM ABSTRATA DO DELITO. IMPOSSIBILIDADE.

1. Havendo a apreensão da arma utilizada para a prática delitiva e constatada a ausência de potencialidade lesiva - o que acontece quando a arma está desmuniciada - não pode haver a incidência da majorante prevista no art. 157, § 2º, I, do Código Penal.

(...)

3. Ordem concedida para, de um lado, afastando o acréscimo decorrente do emprego de arma, reduzir a pena recaída sobre os ora pacientes, fixando-a, definitivamente, em (a) 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa (paciente João Carlos) e (b) 7 (sete) anos, 1 (um) mês e 10 (dez) dias de reclusão e 17 (dezessete) dias de reclusão (paciente Alex); de outro lado, estabelecer o regime semiaberto para o início da expiação.” (HC 170.811/SP, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, DJe 07.03.2012)

“HABEAS CORPUS. PENAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. AMEAÇA EXERCIDA COM ARMA DE FOGO DESMUNICIADA. CAUSA ESPECIAL DE AUMENTO DE PENA NÃO CARACTERIZADA. ACRÉSCIMO NA TERCEIRA FASE FIXADO EM 3/8. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. ILEGALIDADE. REDUÇÃO AO PATAMAR MÍNIMO DE 1/3. PRIMEIRO PACIENTE RECONHECIDAMENTE REINCIDENTE, COM PENA SUPERIOR A QUATRO ANOS DE RECLUSÃO. OBRIGATORIEDADE DO REGIME FECHADO. SEGUNDO PACIENTE PRIMÁRIO E DE BONS ANTECEDENTES. PENA-BASE FIXADA NO MÍNIMO LEGAL. INOBSERVÂNCIA DO DISPOSTO NO ART. 33, § 2.º, ALÍNEA B, E § 3.º DO CÓDIGO PENAL. SÚMULA 440 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.

1. A inclusão da majorante prevista no art. 157, § 2º, inciso I, do Código Penal, diverge da posição adotada pelo Superior Tribunal de Justiça, porquanto o uso de arma de fogo desmuniciada no crime de roubo não configura causa especial de aumento da pena.

(...)

4. Ordem parcialmente concedida para, mantida a condenação, reformar o acórdão impugnado, no tocante à fixação da pena, a fim de reduzir a reprimenda dos Pacientes para 5 anos e 4 meses de reclusão, mais 13 dias-multa, bem como estabelecer o regime semiaberto para o cumprimento da pena reclusiva imposta ao segundo Paciente, mantido o regime prisional fechado para o primeiro Paciente.”

(HC 217.736/SP, Rel. Min. Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe de 05.03.2012)

B) o crime de receptação previsto no artigo 180 do Código Penal e seus parágrafos, dependendo da hipótese respectiva, ora decorre do dolo direto, ora do dolo eventual, ou somente da culpa do agente na aquisição de coisa de origem patrimonial. CORRETA.

Antes de mais nada, transcreve-se o referido dispositivo do Estatuto Repressivo:

Receptação

Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte:

Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.

Receptação qualificada

§ 1º - Adquirir, receber, transportar, conduzir, ocultar, ter em depósito, desmontar, montar, remontar, vender, expor à venda, ou de qualquer forma utilizar, em proveito próprio ou alheio, no exercício de atividade comercial ou industrial, coisa que deve saber ser produto de crime:

Pena - reclusão, de três a oito anos, e multa.

§ 2º - Equipara-se à atividade comercial, para efeito do parágrafo anterior, qualquer forma de comércio irregular ou clandestino, inclusive o exercício em residência.

§ 3º - Adquirir ou receber coisa que, por sua natureza ou pela desproporção entre o valor e o preço, ou pela condição de quem a oferece, deve presumir-se obtida por meio criminoso:

Pena - detenção, de um mês a um ano, ou multa, ou ambas as penas.

§ 4º - A receptação é punível, ainda que desconhecido ou isento de pena o autor do crime de que proveio a coisa.

§ 5º - Na hipótese do § 3º, se o criminoso é primário, pode o juiz, tendo em consideração as circunstâncias, deixar de aplicar a pena. Na receptação dolosa aplica-se o disposto no § 2º do art. 155.

§ 6º - Tratando-se de bens e instalações do patrimônio da União, Estado, Município, empresa concessionária de serviços públicos ou sociedade de economia mista, a pena prevista no caput deste artigo aplica-se em dobro.”

Da mera leitura dos dispositivos, constata-se que o CP prevê a prática de receptação em suas modalidades dolosa (caput e § 1º - forma qualificada) e culposa (§ 3º).

Entretanto, há divergência doutrinária quanto à possibilidade da configuração do delito doloso na sua forma eventual. Não a admite Damásio Evangelista de Jesus, que assim leciona:

“Não se adapta a hipótese do caput do art. 180, que pune a figura típica dolosa, quando o sujeito comete o fato, segundo a doutrina e a jurisprudência, com dolo eventual, i.e., quando adquire o objeto material tendo dúvida a respeito de sua procedência. (...) Neste caso, responde por receptação culposa (§3º). Só há a forma dolosa quando o sujeito sabe que a coisa é produto de crime. Logo, se não tem pleno conhecimento da origem criminosa do objeto material, mas dúvida sobre ela, não pode responder pelo crime a título de dolo, subsistindo a responsabilidade a título de culpa. (...) Na verdade, se o sujeito tem dúvida a respeito da procedência ilícita do objeto material, está ausente o elemento subjetivo do tipo contido na elementar ‘sabe’”.[1]

Por seu turno, a jurisprudência do STJ parece ter se consolidado no sentido da admissibilidade do dolo eventual para o crime de receptação:

“HABEAS CORPUS. PENAL. RECEPTAÇÃO QUALIFICADA. INÉPCIA DA DENÚNCIA POR AUSÊNCIA DE DESCRIÇÃO DO DOLO ESPECÍFICO. NÃO OCORRÊNCIA. JUÍZO CONDENATÓRIO ALICERÇADO EXCLUSIVAMENTE EM TESTEMUNHOS COLHIDOS NO INQUÉRITO. NÃO OCORRÊNCIA. OUTROS DOCUMENTOS APTOS A FORMAR A CONVICÇÃO. PENA APLICADA. SUPOSTA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. DOLO DIRETO RECONHECIDO PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA.

(...)

3. As instâncias ordinárias reconheceram que o Paciente sabia que as coisas receptadas eram produto de crime. Portanto, se o dolo eventual, nos termos da jurisprudência reiterada do Superior Tribunal de Justiça, é suficiente para configurar o tipo de receptação qualificada, com mais razão deve-se aplicar a pena mais grave aos condenados pela prática do crime com dolo direto, como no caso dos autos. Precedentes.

(...)

6. Ordem denegada.” (HC 135.653/RS, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de 02.02.2012)

Portanto, com a devida vênia à respeitável doutrina acima colacionada, em respeito à jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, deve-se admitir a prática de receptação por dolo direto, eventual ou por simples culpa. De modo que CORRETA a assertiva.

C) por se tratar de crime formal, na forma da súmula 96 do STJ, a extorsão não admite a forma tentada. INCORRETA.

Embora não se questione que o delito de extorsão seja meramente formal, consumando-se com a exigência indevida, sendo mero exaurimento a percepção da vantagem econômica, não se pode afastar por completo a possibilidade de sua prática na modalidade tentada.

Damásio admite amplamente a hipótese de extorsão tentada:

“Tentativa

Ocorre quando o sujeito passivo, não obstante constrangido pelo autor por intermédio da violência física ou moral, não realiza a conduta positiva ou negativa pretendida, por circunstâncias alheias à vontade do autor. (...) No sentido de que há tentativa quando, não obstante a conduta da vítima constrangida, o sujeito não obtém o proveito: (...) Contra, no sentido de que a extorsão não admite a tentativa: (...) Nossa posição: a primeira. No sentido de que há também tentativa quando a ameaça não chega ao conhecimento do sujeito passivo: (...) No sentido de que também há tentativa quando a vítima não se intimida.”[2]

D) a ação penal no crime de dano, em qualquer de suas formas, somente se procede mediante queixa. INCORRETA.

O dano somente comporta persecução penal mediante queixa nas figuras do art. 163, caput e parágrafo único, inciso IV. Na demais formas qualificadas previstas no art. 163, parágrafo único, incisos I, II e III, do CP, a ação penal é pública incondicionada. A esse respeito, confira os comentários de Rogério Sanches ao art. 167:

“O artigo 167 do Código Penal disciplina a ação penal da seguinte maneira: o crime previsto no art. 164 (introdução ou abandono de animais em propriedade alheia), a ação penal será sempre de iniciativa privada. Já no que diz respeito ao dano, quando praticado na forma simples, prevista no caput do artigo 163, ou na hipótese do inciso IV de seu parágrafo, somente se procede mediante queixa. Nas demais (dano com violência ou grave ameaça à pessoa, mediante o emprego de substância inflamável ou explosiva, ou contra bens públicos), a ação penal será pública incondicionada.”[3]

E) em se tratando de acusado primário, mas com maus antecedentes, ainda que a coisa subtraída seja de pequeno valor, não é possível o reconhecimento da forma privilegiada do furto. INCORRETA.

O reconhecimento da forma privilegiada do furto exige apenas que o criminoso seja primário e de pequeno valor a coisa furtada, sendo indiferente ostentar maus antecedentes para a obtenção da benesse. A propósito, colacionamos considerações de Damásio, o qual ressalva entendimento pessoal em sentido contrário:

“(...) o estatuto penal, ao prever o benefício, só exige duas circunstâncias: que o criminoso seja primário (circunstância subjetiva) e que a res furtiva tenha pequeno valor (circunstância objetiva). Outras circunstâncias, objetivas ou subjetivas, inclusive os maus antecedentes do agente (salvo a condenação anterior) ou a sua má personalidade, não impedem o privilégio”[4].



[1] JESUS, Damásio E. Código Penal anotado. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 690.

[2] Idem. p. 607.

[3] CUNHA, Rogério Sanches. CP para Concursos. Salvador: Juspodivm, 2010. p . 336.

[4] JESUS, Damásio E. op. cit. p. 563.

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