Questão 02
(FGV – Senado Federal – Policial Legislativo – 2012)
Considerando a jurisprudência majoritária dos Tribunais Superiores, com relação à Lei 11.343/2006, Código de Processo Penal e a Constituição Federal, é correto afirmar que:
A) os crimes de tráfico de entorpecente (artigo 33) e associação para o tráfico (artigo 35) são assemelhados aos hediondos.
B) a conduta de trazer consigo substância entorpecente para o fim exclusivo de uso não configura infração penal, tratando-se de mera infração administrativa.
C) o condenado pelo crime de tráfico de entorpecente jamais poderá obter o benefício da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos.
D) eventual denúncia anônima não permite que a autoridade policial adote medidas informais buscando conferir a veracidade dos fatos nela denunciados.
E) a materialidade do delito exige a prova por meio de laudo definitivo, que pode ser firmado por apenas um perito oficial.
Gabarito: “E”
Comentários (Jorge Farias):
Temos mais um exemplo cuidadosamente selecionado acerca da amplitude de conhecimentos exigidos sobre um mesmo tema, no caso, os mais diversos aspectos materiais e processuais da Lei 11.343/2006.
Passemos, pois, à análise das assertivas:
A) os crimes de tráfico de entorpecente (artigo 33) e associação para o tráfico (artigo 35) são assemelhados aos hediondos. INCORRETO.
Dentre os delitos previstos na Lei 11.343/2006, somente o tráfico de entorpecente (art. 33) é equiparado a hediondo, como doutrinária e jurisprudencialmente são conhecidos os delitos previstos na segunda parte da Lei 8.072/90, cujo rol é taxativo e do qual não consta a associação para o tráfico (art. 35).
A esse respeito, confira-se recente julgado do STJ:
“HABEAS CORPUS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ART. 14 DA LEI 6.368/76. NATUREZA HEDIONDA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NO ROL TAXATIVO DO ARTIGO 2º DA LEI 8.072/90. POSSIBILIDADE DE FIXAÇÃO DO MODO INICIAL DE EXECUÇÃO DA PENA ACORDO COM AS REGRAS DO CÓDIGO PENAL. REGIME INICIAL. MODO FECHADO. GRAVIDADE CONCRETA. PERICULOSIDADE DO GRUPO CRIMINOSO. ESCOLHA JUSTIFICADA. COAÇÃO ILEGAL NÃO EVIDENCIADA.
1. O crime de associação para o tráfico não é equiparado a hediondo, uma vez que não está expressamente previsto no rol do artigo 2º da Lei 8.072/90, permitindo, assim, a imposição do regime prisional de acordo com as regras estabelecidas no art. 33 do Código Penal.
(...)
SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE
DIREITOS. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE ENTORPECENTES. ART. 14 DA LEI 6.368/76. NATUREZA HEDIONDA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. PERMUTA EM TESE ADMITIDA. ART. 44 DO CP. REQUISITOS SUBJETIVOS. AUSÊNCIA DE PREENCHIMENTO. ILEGALIDADE NÃO DEMONSTRADA.
1. Afastado o caráter hediondo do crime previsto no art. 14, caput, da Lei 6.368/76, não há que se falar em óbice para a concessão da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, se atendidos os requisitos do art. 44 do Código Penal.
(...)
3. Ordem denegada.” (HC 151.865/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 01.03.2012)
B) a conduta de trazer consigo substância entorpecente para o fim exclusivo de uso não configura infração penal, tratando-se de mera infração administrativa. INCORRETO.
A conduta de trazer consigo substância entorpecente para o fim exclusivo de uso configura crime previsto no art. 28 da Lei 11.343/2006:
“Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
§ 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
§ 3o As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.
§ 4o Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.
§ 5o A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.
§ 6o Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:
I - admoestação verbal;
II - multa.
§ 7o O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado.”
Note-se que, ao contrário do que erroneamente divulgado em diversos meios de comunicação à época do advento da Nova Lei de Drogas, não houve a descriminalização da posse de entorpecente para o fim de uso, pois tal conduta continuou a ser típica, não se desqualificando para mera infração administrativa.
Ocorre que não mais passou a ser cominada pena privativa de liberdade para tal figura, o que nos permite afirmar ter ocorrido a despenalização da referida conduta, ou seja, reduzida a severidade da pena abstratamente cominada ao crime.
Portanto, incorreta a alternativa.
C) o condenado pelo crime de tráfico de entorpecente jamais poderá obter o benefício da substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. INCORRETO.
Essa assertiva exige do candidato especial atenção às alterações jurisprudenciais dos tribunais superiores. E isso porque para se detectar a incorreção da afirmativa faz-se necessário o conhecimento da decisão prolatada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal no HC nº 97.256/RS, Relator Ministro Ayres Britto, julgamento em 01/09/2010, ocasião em que foi declarada inconstitucional a vedação, em abstrato, do art. 44 da Lei 11.343/2006 à substituição de pena em sede de condenação pelos delitos previstos nos arts. 33, caput e § 1º, e 34 a 37.
A propósito, confira-se o aresto prolatado naquele julgado:
“HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ART. 44 DA LEI 11.343/2006: IMPOSSIBILIDADE DE CONVERSÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE EM PENA RESTRITIVA DE DIREITOS. DECLARAÇÃO INCIDENTAL DE INCONSTITUCIONALIDADE. OFENSA À GARANTIA CONSTITUCIONAL DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA (INCISO XLVI DO ART. 5º DA CF/88). ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. O processo de individualização da pena é um caminhar no rumo da personalização da resposta punitiva do Estado, desenvolvendo-se em três momentos individuados e complementares: o legislativo, o judicial e o executivo. Logo, a lei comum não tem a força de subtrair do juiz sentenciante o poder-dever de impor ao delinqüente a sanção criminal que a ele, juiz, afigurar-se como expressão de um concreto balanceamento ou de uma empírica ponderação de circunstâncias objetivas com protagonizações subjetivas do fato-tipo. Implicando essa ponderação em concreto a opção jurídico-positiva pela prevalência do razoável sobre o racional; ditada pelo permanente esforço do julgador para conciliar segurança jurídica e justiça material.
2. No momento sentencial da dosimetria da pena, o juiz sentenciante se movimenta com ineliminável discricionariedade entre aplicar a pena de privação ou de restrição da liberdade do condenado e uma outra que já não tenha por objeto esse bem jurídico maior da liberdade física do sentenciado. Pelo que é vedado subtrair da instância julgadora a possibilidade de se movimentar com certa discricionariedade nos quadrantes da alternatividade sancionatória.
3. As penas restritivas de direitos são, em essência, uma alternativa aos efeitos certamente traumáticos, estigmatizantes e onerosos do cárcere. Não é à toa que todas elas são comumente chamadas de penas alternativas, pois essa é mesmo a sua natureza: constituir-se num substitutivo ao encarceramento e suas seqüelas. E o fato é que a pena privativa de liberdade corporal não é a única a cumprir a função retributivo-ressocializadora ou restritivo-preventiva da sanção penal. As demais penas também são vocacionadas para esse geminado papel da retribuição-prevenção-ressocialização, e ninguém melhor do que o juiz natural da causa para saber, no caso concreto, qual o tipo alternativo de reprimenda é suficiente para castigar e, ao mesmo tempo, recuperar socialmente o apenado, prevenindo comportamentos do gênero.
4. No plano dos tratados e convenções internacionais, aprovados e promulgados pelo Estado brasileiro, é conferido tratamento diferenciado ao tráfico ilícito de entorpecentes que se caracterize pelo seu menor potencial ofensivo. Tratamento diferenciado, esse, para possibilitar alternativas ao encarceramento. É o caso da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e de Substâncias Psicotrópicas, incorporada ao direito interno pelo Decreto 154, de 26 de junho de 1991. Norma supralegal de hierarquia intermediária, portanto, que autoriza cada Estado soberano a adotar norma comum interna que viabilize a aplicação da pena substitutiva (a restritiva de direitos) no aludido crime de tráfico ilícito de entorpecentes.
5. Ordem parcialmente concedida tão-somente para remover o óbice da parte final do art. 44 da Lei 11.343/2006, assim como da expressão análoga “vedada a conversão em penas restritivas de direitos”, constante do § 4º do art. 33 do mesmo diploma legal. Declaração incidental de inconstitucionalidade, com efeito ex nunc, da proibição de substituição da pena privativa de liberdade pela pena restritiva de direitos; determinando-se ao Juízo da execução penal que faça a avaliação das condições objetivas e subjetivas da convolação em causa, na concreta situação do paciente.”
D) eventual denúncia anônima não permite que a autoridade policial adote medidas informais buscando conferir a veracidade dos fatos nela denunciados. INCORRETO.
Denúncia anônima, embora não tenha o condão de, por si só, autorizar a instauração de Inquérito Policial, enseja a adoção de providências preliminares, até mesmo informais, para averiguar a verossimilhança das alegações ali contidas.
A esse respeito, confira-se o seguinte julgado do STJ:
“HABEAS CORPUS. FRAUDE EM PROCEDIMENTOS LICITATÓRIOS. INTERCEPTAÇÕES TELEFÔNICAS REQUERIDAS E AUTORIZADAS COM BASE APENAS EM DENÚNCIA ANÔNIMA. AUTORIDADE POLICIAL QUE NÃO REALIZA DILIGÊNCIAS PRÉVIAS PARA A APURAÇÃO DA VERACIDADE DAS INFORMAÇÕES. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO.
1. Esta Corte Superior de Justiça, com supedâneo em entendimento adotado por maioria pelo Plenário do Pretório Excelso nos autos do Inquérito n. 1957/PR, tem entendido que a notícia anônima sobre eventual prática criminosa, por si só, não é idônea para a instauração de inquérito policial ou deflagração da ação penal, prestando-se, contudo, a embasar procedimentos investigatórios preliminares em busca de indícios que corroborem as informações da fonte anônima, os quais tornam legítima a persecução criminal estatal.
2. Na hipótese em apreço, conforme se pode inferir dos documentos acostados ao mandamus, o Delegado Federal que recebeu a delação anônima não teve a necessária cautela de efetuar diligências preliminares, consistentes na averiguação da veracidade das informações noticiadas, requerendo, desde logo, a interceptação telefônica das pessoas apontadas na notitia criminis apresentada.
3. Se a denúncia anônima não é considerada idônea, por si só, para embasar a deflagração de procedimentos formais de investigação, com muito mais razão não se pode admitir a sua utilização, desacompanhada de outros elementos de convicção, para fundamentar a quebra do sigilo telefônico. Precedentes.”
(HC 117.437/AP, Rel. Min. Jorge Mussi, DJe de 20/10/2011).
E) a materialidade do delito exige a prova por meio de laudo definitivo, que pode ser firmado por apenas um perito oficial. CORRETO.
A correção da assertiva emerge da aplicação conjunta dos arts. 50 da Lei 11.343/2006 e 159 do CPP, a seguir transcritos:
“Art. 50. Ocorrendo prisão em flagrante, a autoridade de polícia judiciária fará, imediatamente, comunicação ao juiz competente, remetendo-lhe cópia do auto lavrado, do qual será dada vista ao órgão do Ministério Público, em 24 (vinte e quatro) horas.
§ 1o Para efeito da lavratura do auto de prisão em flagrante e estabelecimento da materialidade do delito, é suficiente o laudo de constatação da natureza e quantidade da droga, firmado por perito oficial ou, na falta deste, por pessoa idônea.
§ 2o O perito que subscrever o laudo a que se refere o § 1o deste artigo não ficará impedido de participar da elaboração do laudo definitivo.”
“Art. 159. O exame de corpo de delito e outras perícias serão realizados por perito oficial, portador de diploma de curso superior. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
§ 1o Na falta de perito oficial, o exame será realizado por 2 (duas) pessoas idôneas, portadoras de diploma de curso superior preferencialmente na área específica, dentre as que tiverem habilitação técnica relacionada com a natureza do exame. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
§ 2o Os peritos não oficiais prestarão o compromisso de bem e fielmente desempenhar o encargo. (Redação dada pela Lei nº 11.690, de 2008)
§ 3o Serão facultadas ao Ministério Público, ao assistente de acusação, ao ofendido, ao querelante e ao acusado a formulação de quesitos e indicação de assistente técnico. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
§ 4o O assistente técnico atuará a partir de sua admissão pelo juiz e após a conclusão dos exames e elaboração do laudo pelos peritos oficiais, sendo as partes intimadas desta decisão. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
§ 5o Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia: (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com antecedência mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo complementar; (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
II – indicar assistentes técnicos que poderão apresentar pareceres em prazo a ser fixado pelo juiz ou ser inquiridos em audiência. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
§ 6o Havendo requerimento das partes, o material probatório que serviu de base à perícia será disponibilizado no ambiente do órgão oficial, que manterá sempre sua guarda, e na presença de perito oficial, para exame pelos assistentes, salvo se for impossível a sua conservação. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)
§ 7o Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, poder-se-á designar a atuação de mais de um perito oficial, e a parte indicar mais de um assistente técnico. (Incluído pela Lei nº 11.690, de 2008)”
Consoante se depreende da redação do art. 50 da Lei 11.343/2006, o laudo preliminar ou de constatação presta-se somente à lavratura do flagrante, de modo que a prova da materialidade para fins de condenação ou absolvição exige laudo definitivo.
Ocorre que, consoante se depreende do § 2º do referido artigo, a expressão “não ficará impedido de participar da elaboração do laudo definitivo” denota que esse laudo deveria ser elaborado por mais de um perito, pois, se fosse por perito único, a lei não mencionaria participar e, sim, elaborar.
Entretanto, como referida lei foi editada ainda sob a sistemática anterior, vigente até o advento da Lei 11.690/2008, considera-se revogada eventual interpretação no sentido da necessidade de mais de um perito para a elaboração do laudo definitivo, uma vez que o caput do art. 159 passou a exigir somente um perito oficial.
Portanto, CORRETA a assertiva.
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